Muita gente mais nova não conhece, porém os mais antigos sabem muito bem o que foi a figura do mascate, pelo interior do Brasil. Em certos aspectos, foram desbravadores, colonizadores, vetores do progresso e até civilizadores de nosso povo.
No entanto, aqueles dois mascates, aproveitando da ingenuidade dos matutos do meio rural mineiro, almejavam a riqueza, passando todo mundo para trás, vendendo gato por lebre, dando manta no povo.
Certa feita, depois de muitas andanças, chegaram ao final do dia cansados e famintos, caçando jeito de encontrar um lugarzinho para encostar o esqueleto e um meio de matar a fome. Já estava escuro quando avistaram uma casinha simples, num sítio à beira da estrada, quase chegando em Tabuí.
- É aqui que vamos fazer a festa. Achar comida, uma cama quentinha, e até vender umas coisinhas.
Bateram palmas na frente da casa, e aguardaram uns minutos. Uma senhora, já avançada em anos, entreabriu a velha porta de madeira, perguntando quem eram, e o que desejavam. Com ares de muita humildade, eles disseram:
- Desculpe incomodar a senhora numa hora dessas, mas estamos muito cansados de viajar o dia inteiro, sem comer desde ontem. Será que a senhora não podia deixar a gente passar a noite por aqui, num cantinho qualquer, e, se possível, arrumar alguma coisa para matar a fome?
- Bamo entrá padento, sôs moço! Na minha casa ninguém fica sem abrigo não.
Levou-os até a cozinha, dizendo que iria preparar alguma coisa pra eles comerem. Enquanto papeavam, ela pegou farinha e alguns ingredientes para amassar uns bolinhos. Amassa daqui, amassa dali, e a massa ficou muito dura e ressecada. Então ela cuspiu nas mãos para amolecer cada bolinho, antes de jogar na gordura quente. Terminado o serviço, colocou os bolinhos num prato à frente deles, dizendo:
- Taí o que tenho procêis matá a fome. Tô muito cansada, já vô drumi. Ali perto da dispensa, tem um quartinho, e ocêis pode se ajeitá lá. Ba noite!
Quando a velha desapareceu da cozinha, um olhou para a cara do outro, dizendo:
- Nem que eu morra de fome, não tenho coragem de comer este troço nojento não.
E o outro:
- Eu também não tenho coragem não. Mas, dormir com fome, nós não vamos não. Olha ali.
E apontou para cima do fogão de lenha, onde, dependurada num arame, pendia uma tira de toucinho.
- Vamos pegar quele toucinho, que já tá bem defumadinho, e tirar a barriga da miséria.
Deram só uma esquentadinha, e mandaram ver no toucinho da velha, indo dormir mais sossegados. No dia seguinte foram acordados com os gritos da velhota que xingava Deus e o diabo, quando deu conta do prejuizo.
- Cambada de safado! Capetada! Mascates disgraçado! Dero fim no meu toucim. Cumé que vô fazê agora? Era o remédim co tinha pa refrescá a minha murróidia.
(Causo "garimpado" em Carmo do Rio Claro pelo pesquisador Joaquim da Silva Junior)