Tuesday, April 24, 2018

PISA LONGE, SEUS MEDOS E MANIAS

Quando menino, seis ou sete anos, andava pela cidade, (então bem menor), com calça curta e o bumbum sujo de terra vermelha, jogando bola pelos vários campinhos então existentes.

O comércio da época era o "SECOS E MOLHADOS", pequenos armazéns que vendiam desde grãos 'in natura'  a granel ou litro, utensílios de uso doméstico e de trabalho na lavoura, bem como produtos artesanais; além de gêneros alimentícios sólidos e líquidos, retalhos, fumo de rolo, cachaça, agulha, carne seca e ferramentas.

Grande ou pequena, toda cidade tinha seus armazéns até os anos 50 e 60, pois os supermercados ainda não eram difundidos.

A venda do Zé de Castro (onde hoje é o Bar do Vaguinho e a Farmácia da Mara) era um tipo de armazém, com um rolo de fumo de corda sempre em cima do balcão, com o qual os fumantes faziam seu cigarro de palha, cortando com um canivete ou faca, picando-o manualmente. Havia também o fumo desfiado a granel e o pó de fumo, que muitos homens adoravam cheirar.

Neste ambiente rural, simples, silencioso, ar puro, cheiro de árvores e flores, muita tranquilidade, íamos vivendo nossa meninice.

Foi quando conheci um senhor que morava lá no Caparaó. Um negro alto, pernas compridas, chapéu sobre a cabeça, sempre descalço, unhas pretas, pés grossos, calças pega frango, às vezes com uma cordinha amarrada à cintura servindo como correia de segurança da calça, cachimbo à boca.

Esse era o " PISA LONGE"  era conhecido assim por seus passos longos, um sujeito que fazia de tudo, aceitava qualquer tipo de serviço. Entregava leite, cesto de pães, embrulho de carne para os açougueiros, limpava quintais e por vezes atuava até como coveiro ajudando o Sô Felipe, coveiro oficial à época. Em princípio, eu tinha um pouco de receio dele, mas com o tempo ele foi silenciosamente me conquistando, e eu até parava na rua para ouvir as histórias que ele instado pelas pessoas, adorava contar.

Não aceitava calçar sapatos, não andava de carro, charrete sim. Passar em pinguelas para ele era o maior desafio. Atravessava o rio dentro da água, se não estivesse fundo.

Cumpria um ritual de descer a Rua Principal pela manhã, conversava com um, com outro, descia a Rua do Lava Pés, tomava uma pinga na venda de Sô Eurico ou no Zé Nicolau, parava no Açougue de Sô Marinho Perdigão, depois era o papo na Loja de Peças de Veículos do Zé Morais ou na Barbearia do Jarbas. Quando retornava, parava na porta do Bar Semião, nossa rodoviária à época; e contava suas histórias, por sinal recheadas de imaginação e folclore, sempre com boa platéia; e, quando ameaçava ir embora insistiam para que ficasse mais, mas ele argumentava : 

- " Não, já é quase hora do almoço, e eu tenho que passar na venda de Zé de Castro e " cheirar o fumo dele" antes de ir embora.

Risada Geral.