Thursday, September 03, 2020

MINHAS HOMENAGENS AOS 280 ANOS DE IDADE DO ALEIJADINHO, COMPLETADO EM 29.08.2018.

ALEIJADINHO E AS CONTROVÉRSIAS EM TORNO DO MESMO – SUAS OBRAS E SUA POSSÍVEL ORIGEM EM SABARÁ.

*Edelberto Augusto Gomes Lima.
Antônio Francisco Lisboa, conhecido pela alcunha de Aleijadinho, é um personagem bastante controvertido, seja quanto a sua existência, seja no tocante a sua obra.
Em suprema síntese, vou elencar as teorias em torno deste artista barroco, publicadas, entre outros, no livro “Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil”, editora Leya, 2ª edição ampliada, de autoria de Leandro Narloch.
Vou iniciar pelas críticas para, a final, arrolar os elogios.
AS CRÍTICAS.
1ª – Em 1858, quase cinquenta anos após a morte de Aleijadinho, Rodrigo Ferreira Bretas (*1) escreveu uma biografia sobre o mesmo, embora nenhum documento da época ou texto mais confiável certificava a história ou dava detalhes.
Segundo Bretas, a partir dos 47 anos Aleijadinho teria sofrido uma doença desconhecida, provavelmente sífilis ou lepra, que o fizera perder os dedos, os dentes, curvar o corpo, não conseguir andar senão de joelhos e mutilar-se, numa tentativa dramática de que a dor nos membros diminuísse.
(Pesquisas recentes realizadas, separadamente, pelo dermatologista e hansenologista Geraldo Barroso de Carval (*2) e pelo médico e bioquímico Paulo da Silva Lacaz, diagnosticaram a doença como sendo ‘porfirias’).
2ª - Em 16 de maio de 1996, o jornal “A Folha de São Paulo” publicou um artigo assinado por Jair Rattnner, em que, em síntese, dizia:
“.......o paulista Dalton Sala está escrevendo um livro em que defende que Aleijadinho, considerado principal artista barroco brasileiro, foi uma criação do regime de Getúlio Vargas para a construção da identidade nacional”.
No mesmo artigo as seguintes passagens:
“Em 1858, Rodrigo José Ferreira Bretas publicou no ‘Correio Oficial de Minas’, que tinha achado um livro de um vereador de Mariana, escrito em 1790, com a história de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho.
Acontece que esse livro, chamado ‘Livro de Registros de Fatos Notáveis’, da cidade de Mariana, nunca foi visto por ninguém, diz Sala.”
“Não é a primeira vez que se duvida da história do Aleijadinho. O professor americano John Russel-Wood fez um levantamento extenso nos arquivos mineiros e não encontrou nenhum documento que provasse que o Antônio Francisco Lisboa era filho de Manuel Francisco Lisboa e o pesquisador Augusto de Lima Júnior chegou a dizer que não existem provas de que o Aleijadinho se chamasse Antônio Francisco Lisboa.
O livro de Registro da Ordem Terceira de Sabará, que segundo Augusto de Lima teria o nome do Aleijadinho, desapareceu.”
3º - Guiomar de Grammont (*3) diz compreender Aleijadinho como um personagem literário, reconstruído na história do pensamento e artes no Brasil, de acordo com os interesses do momento em que se produzia cada discurso sobre o tema.
4º - O culto a Aleijadinho logo ganhou um problema. A importância que ele passou a ter tropeçava numa verdade incômoda: nem todo mundo o considerava genial.
A forma e o acabamento de muitas obras atribuídas a ele pareciam grosseiros. As figuras tinham o nariz desproporcional, maçãs do rosto salientes demais, polegar na mesma direção dos outros dedos e olhos exageradamente amendoados. As igrejas que contaram com seu esforço pareciam uma versão pobre de monumentos europeus.
5º - Os recibos e atas confiáveis que o citam, sugerem que ele construiu esculturas e detalhes das igrejas de Sabará, Ouro Preto e Santuário de Bom Jesus de Matosinhos (Congonhas do Campo).
6º - Sobre as obras em Congonhas do Campo escreveu Richard Burton que “pouca coisa se tem a dizer sobre o interior da igreja; as paredes são almofadadas e pintadas com afresco pretensiosos e repletas de gravuras sem valor, ao passo que as imagens são abaixo da critica”.
7º - Burton teria escrito ainda que o conjunto de Congonhas “compara-se de maneira desfavorável com a igreja de Bom Jesus de Braga, perto do Porto, e com o mais humilde dos santuários italianos”.
8º - No fim do século 19, um padre chamado Júlio Engrácia (*3) escreveu que as esculturas dele eram “mais próprias para fazer rir às crianças do que para atrair a veneração e a simpatia dos corações devotos.”, cujos “membros que mais deviam chamar-lhe a atenção artística como rosto, mãos, pés são muito imperfeitos”.
O padre se incomodava especialmente com o nariz das imagens dos soldados ao argumento de que jamais houve guerreiros romanos tão narigudos, a não ser que eles usassem suas probóscides como os elefantes usam trombas.
Portanto, esse padre não negava a existência e as esculturas do Mestre. Em 1938, O historiador do IPHAN, Rodrigo M.F. de Andrade (*5) escreveu que “em relação às obras de escultura dos Passos e dos Profetas de Congonhas do Campo ninguém contestava a autoria do Aleijadinho, autoria essa que, aliás, tinha sido atestada minuciosamente pelo Padre Júlio Engracia (*6), com apoio no arquivo da Irmandade.”
8ª - Naquela época os artífices costumavam trabalhar juntos em oficinas patrocinadas pelas irmandades religiosas, e também passavam tarefas para amigos quando estavam atarefados demais.
Baseado nessa produção coletiva, alguns críticos, entre eles o historiador de arte francês Germain Bazin (*4), levantaram a tese de que as obras malfeitas não eram exatamente de Aleijadinho, mas de seus sócios ou assistentes.
Segundo ele, foi o que teria acontecido com as estatuas de madeira das seis capelas do santuário de Congonhas. As diferenças de qualidade dessas diversas estátuas levaram a exagerar-se a parte de colaboração nesse conjunto, retirando-se do artista a autoria de um número muito grande delas.
9º - Tão fortes como as palavras do padre, era o silêncio dos poetas mineiros, Tomás Antônio Gonzaga, Cláudio Manoel da Costa e Basílio da Gama, poetas contemporâneos a Aleijadinho. Não gastaram uma linha sequer para falar do escultor.
A EXISTÊNCIA, ALGUNS TRABALHOS E OS ELOGIOS.
1º - Em 1938, escreveu Rodrigo M.F. de Andrade (*5): “Quando Rodrigo José Ferreira Bretas escrevia sobre o Aleijadinho o trabalho que o ‘Correio Oficial de Minas’ publicou no decurso do ano de 1858, não suspeitava de que a autoria das obras que ele atribuía a Antônio Francisco Lisboa viesse a ser algum dia controvertida.
Caso lhe ocorresse essa possibilidade, não lhe seria muito difícil comprovar as suas asserções, pois abundavam certamente àquele tempo os meios de que precisasse no sentido de documentá-las.”
No artigo que escreveu sobre a “Contribuição Para o Estudo da Obra do Aleijadinho” (*5), existe diversos fac-símile de documentos comprovando a existência e as esculturas do Mestre em diversas localidades mineiras, incluindo Sabará.
2º - A avaliação do trabalho de Aleijadinho mudou a partir de século 20. Foi quando intelectuais modernistas escolheram-no como símbolo da ‘brasilidade’, do talento mestiço e popular do Brasil.
3º - Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Tarsila do Amaral, em companhia do poeta francês Blaise Cendrars, fizeram uma excursão a Minas e voltaram encantados, não somente com a arte mais também com o artista.
A primeira coisa que lhes teria chamado a atenção foi o fato de Aleijadinho ter sido mulato e filho de escrava com pai branco.
4º - Oswald de Andrade considerou a aventura uma viagem de ‘descoberta do Brasil’.
5º - Após essa viagem, esses intelectuais teriam montado um dispositivo retórico para justificar o fato de as obras de Aleijadinho não serem aquela cocada toda. Eles teriam continuado a achar as esculturas resultado de ‘irregularidade vagabunda’.
6º - O que teria mudado foram os motivos: Aleijadinho não teria criado obras estranhas porque não sabia fazer melhor, e sim porque queria.
7º- Mário de Andrade, principalmente, viu nas estátuas narigudas a expressão da suposta personalidade do artista aleijado.
Segundo ele, se as obras pareciam grosseiras diante da tradição, é porque o escultor sem mãos queria romper com os padrões antigos de beleza e ser original, aproximando-se da arte gótica.
8ª – Gilberto Freyre por sua vez sugeriu que as obras eram resultado de uma revolta contra a condição de mulato, de modo que, na escultura de Aleijadinho, as figuras de ‘brancos’ de senhores, de capitães-romanos aparecem deformadas.
A OBRA MAIS BONITA ESTARIA EM SABARÁ.
9º - Segundo Myriam Andrade Ribeiro Oliveira, mestre e doutora em arqueologia e história da arte pela Universidade Católica de Lovaína na Bélgica, teria sido precisamente na fase em que Aleijadinho foi acometido pela deformidade, que o mesmo se tornou mais produtivo.
Segundo ela, Aleijadinho é o artista de maior importância do período colonial brasileiro e também de maior qualidade.
Ela ainda afirma que Aleijadinho trabalhou em fases distintas – na juventude e na maturidade, quando esculpiu a peça que ela achava a mais bonita, que é a SANTANA DO MUSEU DO OURO DE SABARÁ. (letra garrafal por minha conta).
Finalmente a terceira fase seria a que ele ficou doente.
Ela é autora da obra O Aleijadinho e sua oficina – Catálogo das esculturas devocionais, editado em 2002 e escrito em parceria com Olinto Rodrigues dos Santos Filho e Antônio Fernando Batista dos Santos, ambos do IPHAN.
10º - Cláudio Fragata Lopes, em artigo publicado na revista ‘Galileu’ disse que “se não fosse pelo esplendor das obras deixadas nos altares, adros e fachadas das igrejas de Minas Gerais, prova incontestável de sua existência, o mestre Antônio Francisco Lisboa, mais conhecido por Aleijadinho, poderia muito bem passar por uma lenda”.
TERIA NASCIDO EM SABARÁ? Daniel de Carvalho, natural de Itabira, mas que na infância viveu algum tempo em São Domingos do Prata, onde seu pai, Antônio Serapião de Carvalho foi, em 1892, o primeiro juiz de Direito da Comarca, em seu livro (*7), cita a seguinte passagem:
“Eduardo Prado, em L’ardans le Brésil, 1899, levanta uma hipótese: a de ser o Aleijadinho Antônio José da Silva (e não Antônio Francisco Lisboa), nascido em SABARÁ em 1750, autor dos profetas no adro da Capela do Bom Jesus de Congonhas de Campos........” (letra garrafal por minha conta).
Continua Daniel de Carvalho na passagem acima transcrita:
“..O acatado sócio do Instituto Histórico Geográfico de Minas Gerais (Francisco Antônio Lopes, autor do livro ‘Terra de Ouro’), segue a opinião de Eduardo Prado, retificando o nome para Joaquim e não Antônio José da Silva....”
CONCLUSÃO.
Embora ele não assinasse as suas obras, existem inúmeros documentos atestando a sua existência e a autoria das mesmas, como já dito acima.
No artigo de Rodrigo M. F. de Andrade (*5) consta que, em 1937, um dos assistentes técnicos do IPHAN, o engenheiro Epaminondas Vieira Macedo,
“no decurso dos estudos que realizava para o tombamento sistemático das obras de arquitetura civil e religiosa no Estado de Minas Gerais, conseguiu a comprovação decisiva de que o Aleijadinho executou trabalhos para a igreja da Ordem 3ª, de N. S. do Carmo de Sabará e para a da mesma invocação em Ouro Preto.”
Continua o articulista:
“Quanto a esta igreja, o que se apurou foi um pagamento de 168$000 feito a Antonio Francisco Lisboa consignado a fls. 83 do Livro 1º de Despesa da Ordem, sob a rubrica ‘Despeza que teve o Thesoureiro desta Ordem Terceira João Antonio no anno C 1773 para o C 1774’. (...............).
Tal descoberta é corroborada, em 1940, por Zoroastro Vianna Passos, em seu livro “Em Torno da História do Sabará”, quando trouxe à baila um contrato com a Mesa administrativa da Ordem 3ª, de Nossa Senhora do Monte do Carmo, a seguir transcrito em ortografia original:
“......O milhor meio que se achou para as fazer com aquela perfeição e pureza, segundo os riscos, era ajustar o milhor mestre e officiais que a pudece exzicutar na forma dita e oniformemente asentarão o Reverendo Comissario SubPrior, e mais irmãos Mezarios, que só o Mestre Antº Franc.º Lx.ª. e seus costumados oficiais apoderião fazer com toda aboa satisfação.....”.
Não sei se o livro de Registro da Ordem Terceira de Sabará teria desaparecido como afirmou Augusto de Lima Júnior, porém, em 1940, quando escreveu o seu livro, ele foi consultado por Zoroastro Vianna Passos, como o comprova o texto acima.
Penso que o Aleijadinho foi, tenha feito as suas esculturas pessoalmente, tenha algumas realizadas por seus colaboradores, sob a sua supervisão, o maior escultor de arte barroca não somente do Brasil, mas também da América Latina.
A afirmativa acima, de que entre as suas obras, a mais bela é a Santana que se encontra no Museu do Ouro de Sabará, enche de orgulho os sabarenses.
Ademais, são de sua autoria (comprovada) outras diversas obras na igreja do Carmo em Sabará.
Bibliografia.
*1 – Rodrigo Ferreira Bretas, o Aleijadinho, 2002.
*2 - Gerald Barroso de Carval, Doenças e Mistério do Mestre Aleijadinho.
*3 - Guiomar de Grammont, Aleijadinho e o Aeroplano, Civilização Brasileira, 2008.
*4 - Germain Bazin, Aleijadinho e a Escultura Barroca do Brasil, Record, 1971.
*5 – Contribuição Para o Estudo da Obra do Aleijadinho, revista do IPHAN nº 2, ano de 1938.
*6 – Relação Chronogica do Santuário e Irmandade do Senhor Bom Jesus de Congonhas do Campo, no Estado de Minas Gerais – São Paulo – 1908.
*7 – Ensaios de Crítica e de História – Edição do autor, Rio de Janeiro – 1964.
*Edelberto Augusto Gomes Lima.
– Advogado aposentado, membro do Conselho Editorial da Editora Del Rey, ex-coordenador do Departamento Jurídico da Associação Comercial e Empresarial de Minas e da Federaminas (Federação das associações comerciais do Estado de Minas Gerais) e autor dos seguintes livros:
1 - “São Domingos do Prata: Berço e Origem”. (1ª, 2ª e 3ª edição).
2- “Revivendo a história de São Domingos do Prata”.
3 - “São Domingos do Prata: Fragmentos de sua história”.
4- “Recontando a história de São Domingos do Prata”
5- “Dr. Gomes Lima. Um dos grandes vultos da história de São Domingos do Prata”.
6- “Notas biográficas de Manoel Martins Gomes Lima, Janua Coeli de Lellis Ferreira e Dr. Edelberto de Lellis Ferreira - Três pratianos da gema”.
7- “Quatro prefeitos de São Domingos do Prata da primeira metade do século XX”.
8- “Notas sobre alguns prefeitos e eleições em São Domingos do Prata de 1890 a 1947”.
9 – “São Domingos do Prata no período imperial.”
10 -“Sabará na imprensa do império”.
11 - “Sabará: Fragmentos de sua história no período imperial”. (2ª edição atualizada).
12 - Livro digital “São Domingos do Prata: Centro irradiador de mineiridade”, contendo os livros de n.º 1 – 2 – 4 – 5 – 6 e 8 acima.
13. “Genealogia de alguns ascendentes e descendentes...........”
NOTAS: Alguns dos livros acima, inclusive os sobre Sabará, poderão ser encontrados, entre outras, no acervo da biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, nas bibliotecas da Faculdade de Sabará, na municipal de Sabará e na de três Escolas de São Domingos do Prata, além da Casa de Cultura Chiquito de Morais.
O livro sobre Sabará poderá ser encontrado na biblioteca de diversas escolas de Sabará, sejam as da rede municipal, como a da estadual.

Dr. Edelberto Augusto Gomes Lima