Lady Foppa
Terezinha era filha do seu Antônio e dona Eva. As pessoas se referiam a ela como Eva de Antônio, o povo tinha esse cesto de falar fulano de Beltrana e beltrana de fulano. No caso, o que era falado por último era o dono: Aninha de Chico, quem mandava era o Chico . José de Etelvina, quem mandava era a Etelvina.
Terezinha era filha do seu Antônio e dona Eva. As pessoas se referiam a ela como Eva de Antônio, o povo tinha esse cesto de falar fulano de Beltrana e beltrana de fulano. No caso, o que era falado por último era o dono: Aninha de Chico, quem mandava era o Chico . José de Etelvina, quem mandava era a Etelvina.
O casal tinha essa filha, que era a moça mais bonita que eu tinha batido os zóios! Certa vez, em uma festa de São João, na casa de um primo do papai, a moça ficou noivando ao lado do prometido dela de nome Avelino, filho do seu Onofre . Os dois sentaram pareados, malemá encostavam os ombros uns nos zotros, os pais dela sentaram atrás e só ficavam de butuca no casal.
Papai era muito custoso e botava reparo em tudo, falou para mamãe:
- Oia lá cheiro, repara o filho bocoió do Onofre , é muito sonso, entra ano, sai ano, ele noiva com a moça, e nunca nem enroscou o dedo minguinho dele no dedinho dela. Aquele rapaz baba, a baba dele só não escorre no chão, porque ele deixa ela descer prá dentro da camisa. Não vejo nenhum futuramento nessa noivação.ô lerdeza!
Mamãe chamou papai na regulagem, falou para ele deixar o rapaz ser da forma que Deus tinha determinado, que bem ou mal, o rapaz era trabalhador e obediente aos pais.
Terezinha regulava entre 15 ou 16 anos, volta e meia ela me enxergava, sorria, e dava uma passadinha de mão nas minhas tranças besuntadas de banha de galinha, eu entendia aquilo como um carinho. De resto, eu a achava tão bonita como uma flor de Bonina.
Um dia, escutei um zum,zum,zum em casa entre mamãe e Ana, elas estavam em um conversê que não dava para eu alcançar nenhum entendimento.
As conversas delas estavam atrapalhadas, não casava umas com as outras:
- Pra senhora ver minha Madrinha( mamãe era madrinha de fogueira da Ana, nossa ajudante do lar) o acontecido aconteceu na roça, quando Terezinha foi levá o almoço!
- Pois é, tanto que Dona Eva mais seu Antônio zelou da " passarinha" da filha, e ela acabou batendo asa!
Nesse instante eu entrei na conversa e perguntei:
- Mãe qual passarinha que bateu asa? Foi a qua tava chocando no pé de Rosa? Foi?
Minha mãe deu as costas por resposta, perguntei a Ana qual era a passarinha, a Ana me mandou lamber sabão.
As conversas delas estavam atrapalhadas, não casava umas com as outras:
- Pra senhora ver minha Madrinha( mamãe era madrinha de fogueira da Ana, nossa ajudante do lar) o acontecido aconteceu na roça, quando Terezinha foi levá o almoço!
- Pois é, tanto que Dona Eva mais seu Antônio zelou da " passarinha" da filha, e ela acabou batendo asa!
Nesse instante eu entrei na conversa e perguntei:
- Mãe qual passarinha que bateu asa? Foi a qua tava chocando no pé de Rosa? Foi?
Minha mãe deu as costas por resposta, perguntei a Ana qual era a passarinha, a Ana me mandou lamber sabão.
A conversa estranha continuava, falavam que os pais da Terezinha estavam procurando um buraco para enfiar a cara, para não ter que olhar para a cara dos pais do Avelino, noivo babão compromissado.
Quanto mais eu escutava as duas, mais as minhas idéias embaraiavam na minha cabeça, o palavreado trupicava dentro dos meus ouvidos e o entendimento me escapava.
Quanto mais eu escutava as duas, mais as minhas idéias embaraiavam na minha cabeça, o palavreado trupicava dentro dos meus ouvidos e o entendimento me escapava.
Falaram que o rapaz causador do mal feito, era um peão que não tinha nem um couro para dormir em riba. Nada combinava dentro do meu entendimento, piorou ainda, quando Mamãe falou que achava que moça estava esperando, mas não falou esperando por quem.
A Ana respondeu:
- Valei me minha nossa senhora! Será que ela está mesmo esperando?
Eu sabia que se perguntasse qualquer coisa, iam me mandar lamber sabão, lamentei meu pai não estar ali, papai falava tudo declarado na cara de quem quer que fosse.
Por fim, falaram que a pobre da Terezinha tinha desencaminhado e estava perdida.
Eu entendi que a moça pensou que aquele era o caminho certo e foi para o lugar que ia, só que o caminho era errado, ela desencaminhou e se perdeu em algum lugar. Me deu muita pena saber que a moça não sabia caminhar direito. Eu era esperta, sempre tinha meus caminhos, meus " trieiros " e nunca me desencaminhava.
A Ana respondeu:
- Valei me minha nossa senhora! Será que ela está mesmo esperando?
Eu sabia que se perguntasse qualquer coisa, iam me mandar lamber sabão, lamentei meu pai não estar ali, papai falava tudo declarado na cara de quem quer que fosse.
Por fim, falaram que a pobre da Terezinha tinha desencaminhado e estava perdida.
Eu entendi que a moça pensou que aquele era o caminho certo e foi para o lugar que ia, só que o caminho era errado, ela desencaminhou e se perdeu em algum lugar. Me deu muita pena saber que a moça não sabia caminhar direito. Eu era esperta, sempre tinha meus caminhos, meus " trieiros " e nunca me desencaminhava.
Nas minhas andanças e desandanças, havia um lugar que eu sempre passava, que tinha uma velha casinha abandonada. O povo falava que era mal assombrada e que a noite se escutava gemura de alma, e arrastamento de correntes, porque dois escravos tinham morrido acorrentados lá dentro.
Eu nunca escutei nada, mas também só passava por lá de dia.
Foi assim, que eu tive o alegramento de ver a Terezinha varrendo o terreiro da casinha mal assombrada! No mato eu tava, no mato fiquei, só olhando de longe sem que ela desse por fé, da minha presença.
Quando cheguei em casa, papai tinha chegado e mamãe estava contando para ele, justamente que a Terezinha tinha desencaminhado e estava perdida.
No maior contentamento eu entrei no meio da conversa e falei.
No maior contentamento eu entrei no meio da conversa e falei.
- A Terezinha não desencaminhou e nem tá perdida, acabei de ver ela varrendo o terreiro da casinha branca abandonada.
Mamãe me chamou de abelhuda, enxerida, e a Ana me chamou de " espalha fato"! Parecia que eu tinha falado uma coisa do outro mundo.
Mamãe me chamou de abelhuda, enxerida, e a Ana me chamou de " espalha fato"! Parecia que eu tinha falado uma coisa do outro mundo.
Em seguida, mamãe mandou a Ana me levar para tomar banho e mandou ela lavar minha boca com sabão , para eu falar menos.
Chorei até, não entendi o que tinha de errado eu ter achado a moça perdida , que desencaminhou na estrada.
Chorei até, não entendi o que tinha de errado eu ter achado a moça perdida , que desencaminhou na estrada.
Um dia, vi dona Eva, levar escondida, uma trouxa de roupa , entregar para a filha e voltar em cima do rasto, para não ser vista. Falei para minha mãe porque dona Eva tinha levado a trouxa de roupa escondida para filha , mamãe falou que era sistema, e que não era para eu falar para ninguém. Fiquei sem saber, quando mamãe não sabia a resposta de algo, ela falava que era sistema.
Depois, ela comentou com a Ana, sobre a trouxa de roupa e a Ana falou:
- Mãe é mãe!
Então, as duas suspiraram juntas,um suspiro muito profundo, pareciam estar com pena da Terezinha e da mãe dela.
- Mãe é mãe!
Então, as duas suspiraram juntas,um suspiro muito profundo, pareciam estar com pena da Terezinha e da mãe dela.
Eu gostava de ficar escondida para ver a afeição da Terezinha e do peão dela. Quando ele chegava da lida, ela corria ao encontro dele, ele pegava ela no colo e rodava com ela nos braços, Terezinha parecia uma boneca de pano, levinha, levinha! Depois eles entravam na casinha tão abraçados que parecia uma só pessoa. Ele tinha uma viola, sentava em uma toco que tinha na porta e cantava para ela, parava de cantar quando ela entregava para ele o café, na xícara esmaltada, que arranca o couro do beiço, se a gente não ficar esperta.
Eu não sabia que dia tinha sido o casório deles, achei que devia ter sido nos dias que meu gato Farofa me abandonou, e eu variei muito tempo, sem sair do quarto. Mas eu sabia que naquela casinha vivia duas pessoas que tinham um bem querer muito grande, e que a afeição deles tinha espantado toda tristeza das assombração , que um dia sofreram ali. Papai sempre falava que quando chega o amor, a dor vai embora, no meu entendimento era aquilo, o amor tinha mandado a dor embora.
Um dia, passando pela casinha feliz, reparei que a barriga da Terezinha estava grandinha. Outro dia, reparei que estava maior. Mais adiante reparei que estava enorme!
Falei para mamãe que Terezinha malemá dava conta de abaixar e pegar o cisco do terreiro quando varria, por conta do barrigão.
No dia seguinte, mamãe pegou umas roupinhas de bebê que não servia mais no nosso bebê, arrumou tudo em uma trouxinha, pegou umas brevidades, uns biscoitos e uma rapadura, e levou para Terezinha.
Quando mamãe falou:
- Ô de casa!
A Terezinha garrou num choro, que eu achei que ela fosse ter um passamento!
Mamãe falou que a demora era pouca, que se ela precisasse de alguma coisa, podia ir lá em casa chamar.
Por fim, abraçou a Terezinha e falou:
- Que nossa senhora do parto lhe dê uma boa hora!
Depois mamãe pegou na minha mão e fomos caminho à fora. Quase falei para ela que eu nunca ia " desencaminhar", mas achei por bem ficar calada.
Naquele domingo, vovó veio nos visitar, trazer seu colo com cheiro de Alecrim, para eu deitar , ela fazer cafuné sem pressa, e eu ficar na maior lerdeza...
Mamãe então falou à vovó, que tinha ido visitar a Terezinha. Falou que a mãe da moça estava muito desgostosa, por não poder servir a filha na hora da precisão, porque o seu Antônio queria ver o Cramunhão do que ver a filha. Seu Antônio renegou a Terezinha e falou que não tinha mais filha.
Vovó falou que mamãe tinha feito uma bondade muito boa, que Nossa Senhora se agradava dessas coisas. Vovó falou que também ia fazer uma visita à Terezinha e que quem tivesse que se doer, que se doesse, mas que ela ia, ela ia! Eu sabia que vovó ia fazer a visita, ela nunca deixou de fazer nada que rebateu que faria.
Eu não sabia que dia tinha sido o casório deles, achei que devia ter sido nos dias que meu gato Farofa me abandonou, e eu variei muito tempo, sem sair do quarto. Mas eu sabia que naquela casinha vivia duas pessoas que tinham um bem querer muito grande, e que a afeição deles tinha espantado toda tristeza das assombração , que um dia sofreram ali. Papai sempre falava que quando chega o amor, a dor vai embora, no meu entendimento era aquilo, o amor tinha mandado a dor embora.
Um dia, passando pela casinha feliz, reparei que a barriga da Terezinha estava grandinha. Outro dia, reparei que estava maior. Mais adiante reparei que estava enorme!
Falei para mamãe que Terezinha malemá dava conta de abaixar e pegar o cisco do terreiro quando varria, por conta do barrigão.
No dia seguinte, mamãe pegou umas roupinhas de bebê que não servia mais no nosso bebê, arrumou tudo em uma trouxinha, pegou umas brevidades, uns biscoitos e uma rapadura, e levou para Terezinha.
Quando mamãe falou:
- Ô de casa!
A Terezinha garrou num choro, que eu achei que ela fosse ter um passamento!
Mamãe falou que a demora era pouca, que se ela precisasse de alguma coisa, podia ir lá em casa chamar.
Por fim, abraçou a Terezinha e falou:
- Que nossa senhora do parto lhe dê uma boa hora!
Depois mamãe pegou na minha mão e fomos caminho à fora. Quase falei para ela que eu nunca ia " desencaminhar", mas achei por bem ficar calada.
Naquele domingo, vovó veio nos visitar, trazer seu colo com cheiro de Alecrim, para eu deitar , ela fazer cafuné sem pressa, e eu ficar na maior lerdeza...
Mamãe então falou à vovó, que tinha ido visitar a Terezinha. Falou que a mãe da moça estava muito desgostosa, por não poder servir a filha na hora da precisão, porque o seu Antônio queria ver o Cramunhão do que ver a filha. Seu Antônio renegou a Terezinha e falou que não tinha mais filha.
Vovó falou que mamãe tinha feito uma bondade muito boa, que Nossa Senhora se agradava dessas coisas. Vovó falou que também ia fazer uma visita à Terezinha e que quem tivesse que se doer, que se doesse, mas que ela ia, ela ia! Eu sabia que vovó ia fazer a visita, ela nunca deixou de fazer nada que rebateu que faria.
Por conta de ter passado uns dias em Monte Azul, cidade que ficava perto da nossa fazenda em Lagoa Comprida, eu fiquei uns dias sem passar perto da casinha feliz. O dia que passei, fiquei espantada de ver Terezinha, seu bem querer e o bebezinho deitadinho dentro de um caixotinho de madeira, cheio de capim para ficar macio e coberto com um paninho que reconheci como ter sido do meu irmãozinho. O bem querer da Terezinha, estava dedilhando a violinha magra e cantando para ela, Terezinha estava tão encantada que nem me viu atravessando o terreiro. Lá estavam os três, pareciam o menino Jesus e os pais dele, do presépio que mamãe montava.
Achei tão bonito, mas tão bonito que desentendi mais ainda, o porque que o pai dela renegava a filha. Perguntei ao papai se Terezinha era descabeçada, papai falou que não, falou que ela tinha um bem querer e correu atrás do que queria, sem somar o preço que tinha que pagar.
Algum tempo depois, fomos a uma festa de São João e seu Antônio estava prá cima, prá baixo com um bebê mostrado pra todo mundo o neto dele no maior contentamento. Depois vi a mamãe comentando com a Ana, que um dia, seu Antônio mais dona Eva, entraram na igreja e por um acaso do destino, ou pelo acaso de Deus, sentaram lado a lado com a filha, que o bebê na hora que viu o avô, sorriu e estendeu os bracinhos. Ai o avô não aguentou, caiu no choro. Ali mesmo se abraçaram e ali mesmo se perdoaram...
Muitos anos depois, passei no lugar da casinha feliz, as paredes haviam sucumbido a mão do tempo, mas a felicidade não, ela ainda morava lá, como fiel testemunha de uma afeição que escreveu uma história, de final feliz...
Leia mais textos como esse nos meus livros Embornal de Lindezas e Encantadora de Vidas.
WhatsApp é 62 996569343
Foto - feita no Vale do Jequitinhonha. MG.
Achei tão bonito, mas tão bonito que desentendi mais ainda, o porque que o pai dela renegava a filha. Perguntei ao papai se Terezinha era descabeçada, papai falou que não, falou que ela tinha um bem querer e correu atrás do que queria, sem somar o preço que tinha que pagar.
Algum tempo depois, fomos a uma festa de São João e seu Antônio estava prá cima, prá baixo com um bebê mostrado pra todo mundo o neto dele no maior contentamento. Depois vi a mamãe comentando com a Ana, que um dia, seu Antônio mais dona Eva, entraram na igreja e por um acaso do destino, ou pelo acaso de Deus, sentaram lado a lado com a filha, que o bebê na hora que viu o avô, sorriu e estendeu os bracinhos. Ai o avô não aguentou, caiu no choro. Ali mesmo se abraçaram e ali mesmo se perdoaram...
Muitos anos depois, passei no lugar da casinha feliz, as paredes haviam sucumbido a mão do tempo, mas a felicidade não, ela ainda morava lá, como fiel testemunha de uma afeição que escreveu uma história, de final feliz...
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Foto - feita no Vale do Jequitinhonha. MG.