Sunday, January 08, 2012

CASOS & CAUSOS

SEM PROTESTO
  É um rapaz aparentemente forte. Pés grossos. Unhas pretas. Sorriso vago e falho. Corpo inchado. Cabelos russos de ciscos brancos. Desce pela rua vertical da cidade em passos largos, peito estufado, cabeça erguida. Olhando sem ver. Assim é o preto sem nome, muito querido em minha terra. As seis da manhã já está pelas ruas. Se alguém o cumprimenta, responde às vezes com um sinal de tinindo, ou com expressões desconexas, como “já tomei meia garrafa hoje”. Perambular é a sua atividade diária, razão pela qual seus pés são grossos e resistentes. Sem ser partidário da filosofia existencialista, é oposicionista ao banho que lhe tiraria o sujo das unhas. Falta-lhe um incisivo por ter aberto garrafas de pinga à força. Por saborear excessivamente as caninhas com um genuíno estalido de língua, tornou-se inchado. Indiferente lhe é dormir pelos quintais, ruas ou paióis, por isso sua cabeça está sempre impregnada de painas. Nunca se sabe seu destino; para ele, descer, ou subir as ruas dá no mesmo. Está sempre apressado para o compromisso com o nada. Como todos, tem seu gingado de corpo e muito original. Ao perguntarem seu nome, responde tão mal pronunciado que é necessário inventar uma cadeia silábica para se conseguir reproduzir o som lingüístico, talvez uma pretensão a nome difícil, ou mesmo estrangeiro, quem sabe inglês? É um eterno alienado, vive por viver, chora e ri como todos, sente dores, gosta do por do sol, sofre gozações e humilhações, e nem por isso nunca o ouvi protestar contra o destino que lhe cumpre cumprir.

Edição: Novembro/1973 ( Este texto foi escrito em 1973, hoje o nosso protagonista é totalmente diferente, meu amigo de coração, e diz aos outros que é meu amigo desde 1920 - ano que nem o meu pai havia nascido )