A
Fazenda do Tavares, Distrito de Ilhéus, Município de São Domingos do Prata, foi
adquirida pelo Sr. João Pereira da Rocha (Sô Gico) em 1946, do padre Brás
Morrone.
Todo mundo chamava Sô
Gico de "doido", pois enfrentar aquela região onde tantos morriam era loucura
total.
Antigamente
a fazenda era chamada de "Degredo", para onde mandavam os piores criminosos para
expiarem suas penas com a inevitável morte. E morte horrível, cruel, com
sofrimentos indescritíveis.
Região
hostil, muita febre e outras doenças, feras e para complementar, índios
ferozes. Próxima ao Rio Doce, ribeirões e lagos com muitos peixes e caça, os
índios botocudos que habitavam o litoral do Espírito Santo em quase toda extensão do
Rio Doce, estavam sempre presentes.
Bem
perto dali, na divisa de São Domingos do Prata com São José do Goiabal (Biboca), tem um lugar chamado "Capixaba". Contam os antigos que era estrada ou rota
chegando a um vau do Rio Doce por onde os tropeiros de Itabira (e outros) atravessavam
levando café para o Espírito Santo e eram sempre atacados por índios que
matavam os condutores, jogavam fora as mercadorias e ficavam com a sacaria para
vestir. Vieram soldados de Vitória (ES), capixabas portanto, que tocaiaram e
mataram esses índios no local que ficou com o nome.
A
fazenda tinha um enorme área alagada com matas virgens cobrindo todo o lago e
margens. Febre amarela, malária (que chamavam de maleita), e outras endemias
eram comuns e mataram muita gente.
Pastel,
ex-vereador de São Domingos do Prata por Juiraçu (Distrito) conta que seu
avô, Francisco Mariano Pena, foi tocar uma plantação na Fazenda do Tavares e
deixou tudo para trás pois morreram muitas pessoas de febre.
O
Sr. Gico não teve medo e resolveu encarar o desafio. Começou a rasgar (drenar)
o Ribeirão Santa Rita, Macuco e Brejal, numa extensão de aproximadamente 13 km
por até 500m de largura ou mais.
Eu
me lembro ainda menino, dos homens trabalhando, derrubando, rasgando, limpando
os leitos dos rios para drenagem do curso normal das águas. Cobriam as pernas e outras
partes do corpo com saco de aniagem devido ao ataque de sanguessugas.
No
Brejal se formou um belo campo de arroz com produção até hoje invejável. No
Ribeirão Santa Rita e Macuco, começou com arroz e depois com milho e feijão por
serem mais secos.
O
escoamento das águas paradas, fétidas, cheias de mosquitos e outras pragas deu
lugar a um campo de cereais e pastagem com tratos culturais quase diários.
Acabaram as endemias e áreas doentias. O Sr. Gico pegou várias malárias e ficou
famoso como curador da febre, pois na época, ninguém tomava remédio direito e
ele fazia questão de acompanhar o tratamento que era feito a base de quinino e
camoquim. Logo depois, com o aparecimento da penicilina, foi muito útil, pois
sabia aplicar injeções (coisa rara na época) que era ministrada de hora em hora
e ele tinha que ficar junto ao paciente ate a melhora do quadro.
Construiu
uma olaria, substituindo a sede e casa de colonos por novas residências feitas
de telhas e tijolos produzidos ali mesmo. Um engenho moderno para fazer açúcar mascavo,
rapadura e cachaça. Um moinho de milho com uma pedra grande para atender aos
moradores e uma criação de suínos com expressiva produção. Construiu uma enorme
manga para criação extensiva de porcos. Uma maternidade funcional e um local
amplo para terminação de cevados. Sempre inovando, adquiria reprodutores do
Ministério da Agricultura – Fazenda Modelo de Pedro Leopoldo, trazendo a raça
Piau (banha) para cruzar com raças comuns e menos produtivas. Mais tarde trouxe
o Duroc (raça de carne) cruzando os dois, fazendo um suíno misto de carne e
banha, atendendo a exigência do mercado.
Também
na bovinocultura sempre se preocupou com a melhoria das raças adquirindo touros
puros mais adequados. Assim introduziu o Gir no gado pé-duro existente na
região e mais tarde o Nelore e o Guzerá (Zebus) fazendo ótimos bois carreiros;
pesados, resistentes e bom para o corte.
Em
1965 adquiriu um famoso reprodutor, puro holandês preto e branco de nome
Eldorado, na região de Barbacena. Do cruzamento com vacas da raça Zebu, surgiu
o meio sangue, um gado rústico, precoce, bom de leite e carne, muito usado até
hoje naquela região que é quente e inadequada para a raça holandesa pura. Este
boi foi o patriarca de todos os mestiços da região de Ilhéus e vizinhança.
Colocou
luz elétrica com gerador tocado por Roda Pelton, serraria que transformava a
madeira bruta em peças adequadas para construção de casas, currais e tulhas
para guardar mantimentos.
Esta
já era uma nova fazenda. Muito diferente, um lugar saudável e ótimo para morar.
Nos
anos 60, já estudando em Belo Horizonte, levei para Faculdade de Medicina, onde
estudava minha prima Anete, o Sr Sebastião Borges, um vizinho que morava na
beira do rio e vivia pescando e caçando. Apareceu com uma doença estranha que foi
comendo todo seu nariz, ficando só o buraco. Após o tratamento, Anete me disse
que foi bom eu ter levado o paciente pois aquela doença, leischimaniose era
considerada extinta (ou quase). Tinha-se noticia, (não certeza) da provável
existência de focos na Zona da Mata Mineira. Ali é zona da mata. Se tivessem
tomadas as devidas providências na época, seria bem fácil controlar a doença
que hoje já se tornou comum em várias regiões e é endêmica na Capital do
Estado.
Quem
conheceu e conviveu com a hostilidade da região sabe que o Sr. Gico não foi um
destruidor da natureza e sim um desbravador que saneou uma extensa área, pois
antes de comprar a Fazenda dos Tavares, foi administrador de uma outra
propriedade na divisa, onde fez um trabalho parecido.
A
abertura de campos de cultura, criação de suínos e bovinos era uma necessidade
para alimentar a Capital Federal, o Rio de Janeiro que era abastecido em grande
parte pela Zona da Mata Mineira e mais recentemente, as grandes siderúrgicas,
Volta Redonda (no Rio), João Monlevade, Usiminas e Acesita (em Minas) que
expandiram a região com muitas bocas para alimentar, não querendo repetir o
período do ouro em Minas Gerais, quando se tinha muitos recursos (dinheiro, ouro)
e não se encontrava comida. Alguém tinha que produzi-la.
Houve
exagero no desmatamento? É claro que se desmatou em excesso. Mas as companhias
siderúrgicas (no caso Belgo Mineira) acenando com um preço convidativo para o
carvão extrativo; era só cortar e queimar, ao passo que as culturas de cereais
eram trabalhosas, apesar de fartas em térreas férteis, eram pouco valorizadas, e
entregues a atravessadores que por sua vez, também sofriam com estradas
intransitáveis.
Acredito
que o erro cometido com a devastação da região deva ser debitado a uma política
de não assistência, falta de planejamento, que facilitou e ajudou no corte de árvores
para abastecer as companhias e não a fazendeiros e sitiantes que tentavam a
sobrevivência, orgulhosos por estar prestando um grande serviço ao crescimento
e desenvolvimento da Nação, alimentando bocas e os altos fornos. Fazendo um
povo sadio e desenvolvido.
São
Domingos do Prata, 26 de abril de 2009.
João Lana Rocha
( Filho de Sô
Gico )