Mineiro tem uma dificuldade danada pra se despedir, diz tchau e dá mais um beijo. Abraça e puxa outro assunto, pergunta pela mãe, e até descobre um parentesco em comum antes do último aceno. Parece que ir embora é uma ofensa, não dá pra ser propriamente feliz sendo obrigado a encerrar a conversa, nem pra manter o sorriso diante da imagem do outro ficando cada vez menor. Depois do até logo o Mineiro sente uma dorzinha no peito, uma saudade antecipada, pega a estrada mas vai tecendo elogios pelo caminho como se assim levasse consigo a pessoa de quem ele se despediu. Se você reparar bem, até o áudio de whatsapp do mineiro é mais comprido. Primeiro porque ele não consegue dar uma resposta seca, não sem justificativa. Imagina só discordar sem uma boa argumentação. E quando vê já está mandando abraço, lembrança pros parentes, fica com Deus e bota mais vírgula pra não confrontar o ponto final. Banda de mineiro quando encerra o show faz Bis que não acaba mais. Mesmo se houver outro show amanhã mesmo. É que pra começar uma coisa é preciso terminar outra e o mineiro é afetuoso demais pra conjugar esse verbo sem sofrimento. A gente adora começo, estreia, novidade, a nossa peleja é com os finais. Se bobear pede pra embalar e levar pra casa como se fosse possível levar o fim da história pra comer mais tarde. O mineiro tem seu próprio tempo e nunca se atrasa pro afeto, todo fim é doído, toda separação é uma perda. Mesmo que seja pra ir ali na esquina e voltar. E o mineiro tem uma certa implicância com o verbo perder, mesmo seja perder o medo, a vergonha, o juízo quando já passou da hora. Fazer escolha é um troço custoso pro mineiro, é que pra escolher uma coisa é preciso deixar de escolher todas as outras. E a gente não se acostuma com vida no singular. A gente prefere goiabada com queijo, canjiquinha com costelinha, frango com quiabo, pão de queijo com linguiça, doce de leite com queijo, queijo com melado e tudo mais que for em par... ou com queijo. E quando acaba o queijo, põe mais melado, quando acaba o melado põe mais queijo... que é pra empurrar desfecho pra mais tarde. Esse é o jeito mineiro de parar o tempo, essa coisa de encerrar ciclo então é uma maravilha quando a gente lê no currículo ou em manchete de revista. Na vida real não é gostoso terminar a sociedade, namoro, casamento, mudar de emprego, de cidade, de profissão. Dessa história de vida líquida, o mineiro só aprecia se puder tomar vários copos. Pedir a conta aliás é um sacrilégio pra quem vive entre as montanhas. O mineiro pede uma saideira depois da outra, já nem sabe se está saindo ou chegando. E o amigo por lealdade é capaz de entrar em coma alcoólico mas segue brindando que é pra não deixar o outro chateado. Tudo em nome da amizade, da boa prosa e daquela piada que surge entre um gole e outro. Ao ver aquele cortejo de brindes, o garçom até esquece que tava de saída, puxa sua cadeira e traz uma porção fresquinha de caso pra contar. No admirável mundo on demand, cada vasto leque de opções é pro mineiro mais um (só mais um) dolorido convite à escolha. Já vem com gosto amargo da perda. Mineiro é sábio e já percebeu, em teoria esses novos tempos nos oferecem tudo, na prática nos dão muito pouco. Estamos sempre nos despedindo daquilo que poderíamos. Mas é bem possível que essa humanidade bem desenvolvida não seja coisa exclusiva do Mineiro e sim um estado de alma. Já me aconteceu de deparar com um ou outro mineiro que parece ter nascido na Sibéria. E sim, pode calhar de nascer um coração mineiro lá do outro lado do mundo com seus afetos e seus medos, seus parentes em todo lugar, sua dor de ir embora e claro, com uma predileção por queijo porque ninguém é de ferro.