Thursday, January 18, 2024

MINEIRO

 Mineiro tem uma dificuldade danada pra se despedir, diz tchau e dá mais um beijo. Abraça e puxa outro assunto,  pergunta pela mãe,  e até descobre um parentesco em comum antes do último aceno. Parece que ir embora é uma ofensa, não dá pra ser propriamente feliz sendo obrigado a encerrar a conversa,  nem pra manter o sorriso diante da imagem do outro ficando cada vez menor. Depois do até logo o Mineiro sente uma dorzinha no peito, uma saudade antecipada, pega a estrada mas vai tecendo elogios pelo caminho como se assim levasse consigo a pessoa de quem ele se despediu. Se você reparar bem,  até o áudio de whatsapp do mineiro é mais comprido.  Primeiro porque ele não consegue dar uma resposta seca, não sem justificativa.  Imagina só discordar sem uma boa argumentação.  E quando vê já está mandando abraço,  lembrança pros parentes,  fica com Deus e bota mais vírgula pra não confrontar o ponto final. Banda de mineiro quando encerra o show faz Bis que não acaba mais.  Mesmo se houver outro show amanhã mesmo. É que pra começar uma coisa é preciso terminar outra e o mineiro é afetuoso demais pra conjugar esse verbo sem sofrimento.  A gente adora começo,  estreia,  novidade,  a nossa peleja é com os finais.  Se bobear pede pra embalar e levar pra casa como se fosse possível levar o fim da história pra comer mais tarde.  O mineiro tem seu próprio tempo e nunca se atrasa pro afeto, todo fim é doído,  toda separação é uma perda. Mesmo que seja pra ir ali na esquina e voltar.  E o mineiro tem uma certa implicância com o verbo perder,  mesmo seja perder o medo, a vergonha, o juízo quando já passou da hora.  Fazer escolha é um troço custoso pro mineiro,  é que pra escolher uma coisa é preciso deixar de escolher todas as outras.  E a gente não se acostuma com vida no singular.  A gente prefere goiabada com queijo,  canjiquinha com costelinha,  frango com quiabo, pão de queijo com linguiça,  doce de leite com queijo,  queijo com melado e tudo mais que for em par... ou com queijo. E quando acaba o queijo,  põe mais melado, quando acaba o melado põe mais queijo... que é pra empurrar desfecho pra mais tarde. Esse é o jeito mineiro de parar o tempo,  essa coisa de encerrar ciclo então é uma maravilha quando a gente lê no currículo ou em manchete de revista.  Na vida real não é gostoso terminar a sociedade, namoro,  casamento,  mudar de emprego,  de cidade, de profissão.  Dessa história de vida líquida,  o mineiro só aprecia se puder tomar vários copos. Pedir a conta aliás é um sacrilégio pra quem vive entre as montanhas.  O mineiro pede uma saideira depois da outra,  já nem sabe se está saindo ou chegando.  E o amigo por lealdade é capaz de entrar em coma alcoólico mas segue brindando que é pra não deixar o outro chateado.  Tudo em nome da amizade,  da boa prosa e daquela piada que surge entre um gole e outro.  Ao ver aquele cortejo de brindes, o garçom até esquece que tava de saída,  puxa sua cadeira e traz uma porção fresquinha de caso pra contar.  No admirável mundo on demand,  cada vasto leque de opções é pro mineiro mais um (só mais um) dolorido convite à escolha.  Já vem com gosto amargo da perda.  Mineiro é sábio e já percebeu,  em teoria esses novos tempos nos oferecem tudo,  na prática nos dão muito pouco.  Estamos sempre nos despedindo daquilo que poderíamos.  Mas é bem possível que essa humanidade bem desenvolvida não seja coisa exclusiva do Mineiro e sim um estado de alma. Já me aconteceu de deparar com um ou outro mineiro que parece ter nascido na Sibéria.  E sim, pode calhar de nascer um coração mineiro lá do outro lado do mundo com seus afetos e seus medos,  seus parentes em todo lugar,  sua dor de ir embora e claro,  com uma predileção por queijo porque ninguém é de ferro.