Thursday, January 04, 2018

MEU AMIGO SERAFIM

Sô Serafim tinha mais de noventa anos. Conhecia-o desde menino. Alto, magro,corpo ereto, cabelos crespos, pés grosseiros, narinas abertas, orelhas grandes, alegre, com um caminhar tão individual, que o reconhecia de longe. Seu amigo Sebastiãozinho brincava que ele parecia uma "embaúba fina do oco largo", referindo-se ao fato dele, embora sendo comilão, jamais engordava.

Como todo homem simples demonstrava sua humildade com um sorriso; o seu estilo, com exemplar comportamento. Achava que as palavras eram supérfluas e se dispersavam com o vento.

Conversar com Ele era um exercício de aprendizagem. Se o encontrava na estrada,  parava o carro e conversava com Ele. Já nos sentamos debaixo de uma árvore com copa larga, arredondada, ambiente mobiliado  com um velho e rústico banco de madeira, ali fixado. Não gostava de andar de carro, apenas a pé.

Acho que no principio Ele meio que se esgueirava com certa destreza de alguns assuntos. Com o tempo conseguimos bater nossos papos livres da cautela inicial imposta por ele.

Raramente chamava-me pelo nome, dizia apenas "Sô Moço". Havia conhecido e trabalhado com Neco Gomes ,meu avô materno, sobre o qual às vezes contava-me alguns casos passados.

Lembro-me bem que em nossa última conversa, achei-o meio triste; dizia-me que os filhos, netos e bisnetos estavam pensando numa festa de cem anos para ele, mas que algo lhe "dizia" que não chegaria lá. Contestei o pensamento dele e surpreso ouvi a seguinte afirmação: "Sô Moço, a gente morre três vezes; a primeira, quando o coração para de bater; a segunda, quando é enterrado e a terceira; a pior de todas, quando a gente é esquecido".

Lembro-me que este dia eu o visitava em companhia de uma prima; saímos de sua casa em mudo silêncio silencioso, acho que tanto Eu como Ela, mergulhamos numa profunda reflexão sobre a vida. Poucos dias depois recebi a notícia de seu falecimento, mas até hoje não o "esqueci", simplesmente porque Ele se fez "inesquecível" para mim.