Friday, February 20, 2015

SER GENTIL NÃO É SER BOBO!

    Há quem imagine que ser gentil é fazer papel de bobo, é dizer sempre "sim" aos que solicitam sua ajuda ou contribuição, independente de suas próprias vontades ou necessidades. Começa-se  a imaginar que ser gentil não combina com a expressão de sua indignação diante de alguma injustiça. Enfim, tem gente que acha que ser gentil é aceitar comodamente tudo o que acontece ao seu redor. Não! Gentileza não se trata disso, definitivamente! Quem não sabe dizer "não", nem mostrar seus limites ou lutar por aquilo que deseja, não está sendo gentil, mas sim permissivo, covarde, fraco. Não é de passividade ou permissividade que estou falando! Não é de covardia ou fraqueza! É de atitudes pacíficas, de ações firmes e pontuais, mas suaves. É de saber colocar limites, saber dizer "não" e até de reivindicar seus direitos e fazer revoluções nobres, mas sem ter que gritar, ofender, humilhar ou agredir; sem precisar usar de violência ou submissão. É, sobretudo, de flexibilidade e de sabedoria que se trata a gentileza. O lema pode ser entendido tal qual o verso da música Minha Alma, de Marcelo Yuka, do grupo Rappa: "Paz sem voz não é paz, é medo!" Isto é, que você viva pela paz, mas jamais sem voz! Coloque-se toda vez que acreditar estar correto, mas coloque-se com gentileza!

   Por outro lado, você poderia se perguntar o que fazer quando uma pessoa nos insulta, ofende, fere nossa honra ou reputação ou nos causa danos morais; ou seja, como agir quando alguém interfere deliberada e negativamente sobre nossos propósitos? Sim, porque, por mais que estejamos totalmente dispostos a ser tolerantes e gentis, certamente nos questionaremos: até quando? Pois será exatamente este o momento de compreender a medida da gentileza. Para começar, podemos refletir sobre o que escreveu Leo Rosten, escritor americano: "Os fracos é que são cruéis. Só se pode esperar a brandura dos fortes". Mas, de novo, devo reforçar: não se trata de não reagir, de não se colocar, de não mostrar o quanto você está cansado da falta de ética ou de caráter de algumas pessoas, ou do absurdo de algumas situações, mas sim de fazer isso sem precisar usar de violência e crueldade.

   Conseguir manter-se seguro e equilibrado diante do caos é, certamente, demonstração de força e de superioridade. É indiscutível que a crueldade nada tem a ver com alguém que deseja levantar a bandeira da paz. Mas sei o quanto isso exige de maturidade, consciência, treino diário e muita, muita prática.

   Pouquíssimas são as pessoas que têm a habilidade de se manter lúcidas diante de um insulto, uma humilhação ou uma agressão, seja verbal, seja física. Mas entre uma reação impulsiva e irracional - ainda que seja na mesma medida da ação que a provocou - e uma reação absolutamente evoluída, como a que pregou Jesus Cristo, segundo o evangelho de São Lucas, ao dizer " Se alguém lhe bater numa face , ofereça-lhe também a outra", existem muitas possibilidades.

   Talvez hoje, neste momento em que se decide a ser mais gentil, você ainda não consiga se manter firme diante de uma provocação , mas certamente pode começar a treinar para conquistar, aos poucos, uma nova consciência, uma nova maneira, muito mais produtiva, criativa e verdadeiramente corajosa de viver a sua vida!

   E nem estou falando de treinos intensivos, a fim de promover feitos históricos, revoluções em nível nacional ou qualquer coisa que valha. Estou falando de treino leve, de pequeníssimas mudanças em sua rotina. Algo como simplesmente não revidar uma provocação no trânsito e já terá feito valer a pena esse dia. Ou, se preferir basta ter um pouquinho mais de tolerância com as manias de seu marido ou de sua esposa, ou talvez uma disponibilidade maior para as manhas de seu filho, tentando conversar em vez de dar uma bronca ou um grito. Não sei... é você que, no dia a dia, sabe onde mais pega, onde é mais difícil ser gentil. É aí que o treino começa, porque, embora pareça bastante razoável nos indignarmos e reagirmos perante uma afronta ou, principalmente, de uma injustiça sofrida, pense bem: Quais têm sido os benefícios de seus revides? Quanto você realmente tem lucrado quando se rebela e agride seu agressor? A situação melhora? Fica mais fácil chegar à solução do problema? Os dois ficam satisfeitos? Posso apostar que não!

   Portanto, ainda que seja de fato um direito seu não aceitar que seus direitos sejam transgredidos e suas razões ignoradas, lembre-se do Satyagraha, o princípio de não agressão, uma forma não violenta de protesto, que não deve, em hipótese alguma, ser confundida com uma adesão à passividade. E, sendo assim, muito mais eficiente e certeiro do que ficarmos nos questionando sobre até quando devemos ser gentis, creio que seja, antes de mais nada, mudarmos a pergunta para "de que maneira podemos agir com gentileza numa situação em que nos sentimos afrontados, injustiçados ou humilhados? Ou seja, por mais que alguém nos trate de modo grosseiro, impaciente e indelicado (com exceção às ocasiões em que ocorrer agressão física, quando será necessário fugirmos ou, em último caso,  lutarmos para nos defender), como podemos reagir de modo gentil?

   Ainda naquele texto que  Aldo Novak escreveu quando conversamos sobre gentileza, tem um trecho que começa muito bem a responder nosso questionamento:

Há momentos nos quais você encontra todas as razões do mundo para usar alguma frase grosseira, com pessoas que testam sua paciência, para saberem até onde você chega, mas até uma pessoa nestas condições pode ser gentil. E uma pessoa que continua gentil, mesmo com quem não é gentil com ela, acaba tornando inúteis as tentativas dos outros em derrubá-la, e constrói uma reputação de equilíbrio e controle.

   Isto é, manter-se gentil diante da falta de gentileza de alguém vai servir para evidenciar algumas de nossas melhores características: resiliência, bom-senso, convicção de valores, fé na crença de que a gentileza e a tolerância são ótimos antídotos contra a violência e, acima de tudo, dignidade e integridade diante de um comportamento medíocre. E sobre os limites da tolerância, Sâmara Jorge completou, sabiamente:

Agir com delicadeza não quer dizer aceitar tudo o que o outro faz, mas sabe pôr limites sem perder a razão. Até porque perdemos totalmente a razão quando nos tornamos agressivos ou invasivos. Podemos estar absolutamente certos, nossos argumentos podem ser legítimos, mas, se não soubermos nos expressar com sanidade e equilíbrio, podemos acabar com todos os nossos direitos frente a qualquer situação. E, certamente, iremos ferir pessoas desnecessariamente.

   Creio que você já tenha motivos suficientes para começar a investir em sua gentileza, mas, se ainda lhe resta alguma dúvida de como se parece uma pessoa gentil, termino este texto fazendo uma analogia com o bambu. Suas raízes são sólidas, longas e fibrosas, e se propagam por rizomas que se espalham horizontalmente por baixo da terra e se entrelaçam, formando uma rede. Os rizomas são inacreditavelmente fortes.

   Por outro lado, seus galhos compridos, finos e aparentemente frágeis, mas, diante de um vendaval, mantêm-se firmes e não se quebram. E existem duas grandes razões que justificam sua incrível fortaleza: primeiro são suas raízes, que poderíamos entender como nossos valores, nossas crenças, aquilo que aprendemos e no que investimos durante toda a nossa vida; e a outra, extremamente importante, é a sua flexibilidade. Diante de ventos e tempestades, o bambu se curva, disponibiliza-se ao ritmo da natureza, deixa-se conduzir não porque é fraco, mas porque reconhece que a resistência só o faria quebrar; e, por fim, espera até que possa retornar ao seu lugar - em riste, apontando para o alto, forte e imbatível. Essa capacidade do bambu pode ser comparada à nossa habilidade de resistir a um momento de crises e afrontas, tornando-nos flexíveis e gentis, aguardando o momento difícil passar até que possamos retomar nossa dignidade e nossa altivez.