Por outro lado, você poderia se perguntar
o que fazer quando uma pessoa nos insulta, ofende, fere nossa honra ou
reputação ou nos causa danos morais; ou seja, como agir quando alguém interfere
deliberada e negativamente sobre nossos propósitos? Sim, porque, por mais que
estejamos totalmente dispostos a ser tolerantes e gentis, certamente nos
questionaremos: até quando? Pois será exatamente este o momento de compreender
a medida da gentileza. Para começar, podemos refletir sobre o que escreveu Leo
Rosten, escritor americano: "Os fracos é que são cruéis. Só se pode
esperar a brandura dos fortes". Mas, de novo, devo reforçar: não se trata
de não reagir, de não se colocar, de não mostrar o quanto você está cansado da
falta de ética ou de caráter de algumas pessoas, ou do absurdo de algumas
situações, mas sim de fazer isso sem precisar usar de violência e crueldade.
Conseguir manter-se seguro e equilibrado
diante do caos é, certamente, demonstração de força e de superioridade. É
indiscutível que a crueldade nada tem a ver com alguém que deseja levantar a
bandeira da paz. Mas sei o quanto isso exige de maturidade, consciência, treino
diário e muita, muita prática.
Pouquíssimas são as pessoas que têm a
habilidade de se manter lúcidas diante de um insulto, uma humilhação ou uma
agressão, seja verbal, seja física. Mas entre uma reação impulsiva e irracional
- ainda que seja na mesma medida da ação que a provocou - e uma reação
absolutamente evoluída, como a que pregou Jesus Cristo, segundo o evangelho de
São Lucas, ao dizer " Se alguém lhe bater numa face , ofereça-lhe também a
outra", existem muitas possibilidades.
Talvez hoje, neste momento em que se
decide a ser mais gentil, você ainda não consiga se manter firme diante de uma
provocação , mas certamente pode começar a treinar para conquistar, aos poucos,
uma nova consciência, uma nova maneira, muito mais produtiva, criativa e
verdadeiramente corajosa de viver a sua vida!
E nem estou falando de treinos intensivos,
a fim de promover feitos históricos, revoluções em nível nacional ou qualquer
coisa que valha. Estou falando de treino leve, de pequeníssimas mudanças em sua
rotina. Algo como simplesmente não revidar uma provocação no trânsito e já terá
feito valer a pena esse dia. Ou, se preferir basta ter um pouquinho mais de
tolerância com as manias de seu marido ou de sua esposa, ou talvez uma
disponibilidade maior para as manhas de seu filho, tentando conversar em vez de
dar uma bronca ou um grito. Não sei... é você que, no dia a dia, sabe onde mais
pega, onde é mais difícil ser gentil. É aí que o treino começa, porque, embora
pareça bastante razoável nos indignarmos e reagirmos perante uma afronta ou,
principalmente, de uma injustiça sofrida, pense bem: Quais têm sido os
benefícios de seus revides? Quanto você realmente tem lucrado quando se rebela
e agride seu agressor? A situação melhora? Fica mais fácil chegar à solução do
problema? Os dois ficam satisfeitos? Posso apostar que não!
Portanto, ainda que seja de fato um
direito seu não aceitar que seus direitos sejam transgredidos e suas razões
ignoradas, lembre-se do Satyagraha,
o princípio de não agressão, uma forma não violenta de protesto, que não deve,
em hipótese alguma, ser confundida com uma adesão à passividade. E, sendo
assim, muito mais eficiente e certeiro do que ficarmos nos questionando sobre
até quando devemos ser gentis, creio que seja, antes de mais nada, mudarmos a
pergunta para "de que maneira podemos agir com gentileza numa situação em
que nos sentimos afrontados, injustiçados ou humilhados? Ou seja, por mais que
alguém nos trate de modo grosseiro, impaciente e indelicado (com exceção às
ocasiões em que ocorrer agressão física, quando será necessário fugirmos ou, em
último caso, lutarmos para nos defender), como podemos reagir de modo
gentil?
Ainda naquele texto que Aldo
Novak escreveu quando conversamos sobre gentileza, tem um trecho que começa
muito bem a responder nosso questionamento:
Há momentos nos quais você encontra todas
as razões do mundo para usar alguma frase grosseira, com pessoas que testam sua
paciência, para saberem até onde você chega, mas até uma pessoa nestas
condições pode ser gentil. E uma pessoa que continua gentil, mesmo com quem não
é gentil com ela, acaba tornando inúteis as tentativas dos outros em
derrubá-la, e constrói uma reputação de equilíbrio e controle.
Isto é, manter-se gentil diante da falta
de gentileza de alguém vai servir para evidenciar algumas de nossas melhores
características: resiliência, bom-senso, convicção de valores, fé na crença de
que a gentileza e a tolerância são ótimos antídotos contra a violência e, acima
de tudo, dignidade e integridade diante de um comportamento medíocre. E sobre
os limites da tolerância, Sâmara Jorge completou, sabiamente:
Agir com delicadeza não quer dizer aceitar
tudo o que o outro faz, mas sabe pôr limites sem perder a razão. Até porque
perdemos totalmente a razão quando nos tornamos agressivos ou invasivos.
Podemos estar absolutamente certos, nossos argumentos podem ser legítimos, mas,
se não soubermos nos expressar com sanidade e equilíbrio, podemos acabar com
todos os nossos direitos frente a qualquer situação. E, certamente, iremos
ferir pessoas desnecessariamente.
Creio que você já tenha motivos
suficientes para começar a investir em sua gentileza, mas, se ainda lhe resta
alguma dúvida de como se parece uma pessoa gentil, termino este texto fazendo
uma analogia com o bambu. Suas raízes são sólidas, longas e fibrosas, e se
propagam por rizomas que se espalham horizontalmente por baixo da terra e se
entrelaçam, formando uma rede. Os rizomas são inacreditavelmente fortes.
Por outro lado, seus galhos compridos,
finos e aparentemente frágeis, mas, diante de um vendaval, mantêm-se firmes e
não se quebram. E existem duas grandes razões que justificam sua incrível
fortaleza: primeiro são suas raízes, que poderíamos entender como nossos
valores, nossas crenças, aquilo que aprendemos e no que investimos durante toda
a nossa vida; e a outra, extremamente importante, é a sua flexibilidade. Diante
de ventos e tempestades, o bambu se curva, disponibiliza-se ao ritmo da
natureza, deixa-se conduzir não porque é fraco, mas porque reconhece que a
resistência só o faria quebrar; e, por fim, espera até que possa retornar ao
seu lugar - em riste, apontando para o alto, forte e imbatível. Essa capacidade
do bambu pode ser comparada à nossa habilidade de resistir a um momento de
crises e afrontas, tornando-nos flexíveis e gentis, aguardando o momento
difícil passar até que possamos retomar nossa dignidade e nossa altivez.