Tuesday, January 20, 2015

CASOS, CAUSOS E ACASOS





REFLEXÃO SOBRE A MATURIDADE




Os sucessivos estágios da vida consistem em pôr fim a um tempo. Aceitar estas perdas  implica considerar alguns desejos e necessidades como  coisas do passado, que devem serenamente ser entendidos como o cumprimento de um ciclo.


“HOJE EU ESTOU TÃO EM PAZ COMIGO...”


                Mal começamos a dançar e já é hora do baile acabar. Enquanto eu pensava ser ainda um menino, meu futuro já virou meu passado.


                Podemos até tentar dizer que somos tão jovens quanto nos sentimos, mas isto não passa apenas de um chavão consolador.


“HOJE EU OLHEI O CÉU DA MINHA JANELA...”


Despertamos respeito e não mais desejo. Chega o momento em que a menina do caixa do supermercado não flerta mais com você. Envelhecer é perder poder, perder possibilidades.


                O envelhecer pode trazer preocupações com a segurança, incitar o azedume e até a impaciência com a burrice humana.


“LEVANTE ESTE OLHAR, NÃO CHORE NÃO TEMA...”


                Na maturidade diminuímos até a nossa curiosidade e a memória de curto prazo (nomes e datas ). O bom é que a capacidade de julgar, a sabedoria e a gentileza geralmente progridem.  Acredita-se que ficar conversando sobre doença não é saudável. Não é incomum a ausência de chispas nos olhos e o andar pode sugerir que não se quer chegar a lugar algum. Aprende-se que cultivar amigos na juventude é importante pois na maturidade a renovação fica mais difícil.


“QUEM VEM A MIM, SE ALIMENTA DO PÃO DA VIDA...”


                Não se pode negar que dói aqui, acolá, alguns enguiços e mais remédios, próteses, dietas e exercícios.


                Começamos a sentir que estamos em contínuas desistências : O vigor, a coragem, a confiança na justiça, a alegria, o homem por quem Júlia Roberts se apaixonaria ou a mulher por quem Richard Gere também se apaixonaria, abandonarmos até a esperança de emagrecer (risos)... ou ser imortais.  Sentir-se abalado, inseguro ou assustado é quase inevitável ao saber que amigos de sua idade estão se divorciando, outros tendo enfarte.


“NÃO PERCA ESTA FÉ, QUE VOCÊ TEM EM MIM...”


                De repente uma simples dor no cotovelo nos deixa preocupados .


                É um declínio sutil. Até o tempo de sermos pais de nossos pais já se passou. Os filhos já vivem fora de  nosso pretenso controle e nossos cuidados.


                Até que pronto desejamos ser ousados,  fortes e livres ? Mas o taxímetro está funcionando. Tentativas desesperadas para ser jovem outra vez. Tenta-se manter o poder de mando inegociável, que os filhos continuem obedientes, reclama-se por coisas idiotas. Alguns amigos , viúvos ou separados, estão procurando companheiras e companheiros mais novos;   e mais ainda,  restauração com cirurgia plástica e cosméticos.


“TEM A PAZ QUE EU DOU, É FELIZ ENFIM...”


                A verdade é que não se pode afirmar como as pessoas vão reagir à crise da maturidade Todos nós temos fraquezas e forças desconhecidas.


                A perda ou a iminência de perda da beleza, da potência, pode, para alguns, ser fatal. Porém, almas fortes, com trabalho, amor, conseguem ultrapassar com menos lesões a meia-idade.


                O sofrimento pode ser tanto que alguns até se lembram do poeta Fernando Pessoa: “O homem é um cadáver adiado”.


                Não é de todo inevitável que alguém, neste período, sinta-se seduzido pelo encantamento, pela inteligência ou pelo brilhantismo de outra pessoa. Para quem sabe, depois da experiência de  aprender sobreviver a  dor, ao prazer e a  solidão; e depois de um tempo,  compreender que o seu lugar era em casa com a família. Aprendeu que o relacionamento de êxtase e tormento não substitui a calma e a segurança que havia abandonado e então passa-se a viver com um conhecimento muito mais claro e com o desejo de guardar e preservar uma convivência estável. 


“PIEDADE DAQUELES QUE PENSAM QUE A FELICIDADE É A RIQUEZA, O PODER...”


                As antigas conspirações são abandonadas. No seu lugar surge um relacionamento baseado na aceitação do parceiro autêntico, que não é um mito, nem um Deus, nem mãe, nem pai, nem protetor, nem censor. Em vez disso, apenas outro ser humano com uma gama completa de paixões, aptidões racionais, forças e fraquezas, tentando descobrir o meio de conduzir uma vida significativa, com amizade real e companheirismo. Essa nova dinâmica pode dar origem a várias formas de casamento: duas vidas muito separadas, na qual marido e mulher estão juntos apenas periodicamente, de acordo com seu ritmo de relacionamento; uma vida de trabalho e lazer completamente compartilhada; ou variações entre os dois extremos. De qualquer modo, é um relacionamento de iguais, sem hierarquia, posição ou autonegação.


“SER FELIZ NA VERDADE É QUEM TEM JESUS DENTRO DO CORAÇÃO...”


                A maturidade nos ensina a fugir da mediocridade, da pequenez, até da vaidade exacerbada, das reuniões intermináveis, dos melindres desnecessários e a recusar o cargo de Presidente de Banda. Estar longe de rótulos, das fraudes e das indignidades.


                Com algumas  lágrimas, conseguimos  aceitar as perdas da meia-idade, ouvi recentemente uma amiga cinquentona dizer : “Na verdade, sou suficientemente madura e ajustada para gostar do que sou. Só queria que as Forças Dominantes permitissem que eu ficasse aqui.”

                Todos os que sobreviveram à crise da meia-idade sentem-se agradecidos por “estarem, aqui também ",  com seu senso experiente das coisas, com paixão e perspectiva, com as pessoas amadas e o trabalho que gostam de fazer, libertando afinal o eu antigo, sem rugas e imortal, sentem que fizeram o bastante e gostariam que essa desistência, essa perda, essa partida,  terminassem.


                Mas não terminaram ainda.

Nota : Este texto é resultado de uma pesquisa à Revista Veja, ao livro ' Perdas Necessárias ' - de Judith Viorst, e 
oitiva de pessoas acima de cinquenta anos.