Wednesday, July 15, 2015

PAULINO CÍCERO CONTA NOSSA HISTÓRIA ( IN Meus cadernos )

 Nossa terra era calçada da pracinha do velho hospital até o cruzamento da rua principal com a Rua do Pindura Saia, que dava acesso ao antigo campo de futebol do Atlético Pratiano. Não era um calçamento comum. Não era asfalto, que sequer conhecíamos, nem paralelepípedo e muito menos poliédrico.                                Ele era feito de grandes lapas de pedra lamelar. Algumas com quase um metro quadrado. Também, para que querer mais se o município não tinha mais do que oito ou dez automóveis e caminhões. Agora, o que lá não faltava eram animais de sela e de carga. Muitos cavalos, mulas, burros e jumentos.  Eram tantos que, nas missas dominicais, todos os amarravam no adro da igreja e o Padre Geraldo Barreto Trindade, nosso bom e santo vigário, começava sempre a sua prática, dizendo: “é um absurdo!... o adro da igreja mais parece uma estrebaria!”.
   
                          Nós não morávamos nesta parte privilegiada e central da cidade, onde ficavam a igreja de São Domingos de Gusmão, nosso padroeiro, a Prefeitura Municipal, que também abrigava a Câmara Municipal e a Corporação Musical Santa Cecília, além do magnífico prédio do Grupo Escolar Cônego João Pio, construído, como lá está, belíssimo, lembrando o estilo “art noveau”.  Em compensação, embora mais distante, na Rua da Volta, era um ambiente muito mais democrático. Ao lado da casa do meu pai, que ostenta até hoje na frente duas belas palmeiras reais – Maria e Cristina - nomes de minhas duas primeiras irmãs. Nossa vizinhança era bem modesta. Ao lado morava o pedreiro João Paulista. Depois vinha a casa de Dona Tatá, com muitos filhos e uma zelosa viuvez. Passava, em seguida a casa de Joaquim Torres, sem assoalho e sem forro. E eu o via todo dia chegando pela tarde com a enxada ou a foice nas costas. Suas filhas ajudavam em muitas casas da rua: eram babás, cozinheiras, lavadeiras. Do outro lado da rua, além da casa do escrivão Sô Teófilo, casado com minha tia Chiquinha, morava também Dona Nega, outra viúva carregada de filhos pequenos. O mais interessante era o acesso livre que eu tinha a todas estas casas e até às suas cozinhas. E me impressionava como famílias tão grandes tinham na trempe, cozinhando, panelas tão pequenas. Aquilo me parecia uma contrafação e me roía por dentro. - Continua...