Thursday, June 26, 2014

OGÊNIO


Morava no Gandra, pequeno povoado a beira de poeirenta estradinha. Eugênio, seu nome, se corretamente pronunciado. Mas ele próprio se denominava Ogênio. Um dos mais curiosos personagens que conheci, verdadeiro folclore ambulante. Preto e franzino, pés descalços e pobremente trajado, lavrava a terra com o carinho de seus ancestrais, sob sol ou chuva. Mas, quando cismava de ir à cidade para tomar uns goles, ninguém o impedia. E que festa quando chegava... Parecia a estréia de um circo. A criançada era a primeira a se manifestar: --- “Ogênio chegou... Ogênio chegou...” Para a terra pacata, ele representava um ator de teatro. E se entregava, ritual e fervorosamente a seu fraco temporário: a cachaça Como bebia... E com uma particularidade: não pagava. Mas pagavam para ele, para vê-lo estalar a língua e exclamar, extasiado: BENDITA MALDIÇÃO. Perambulava, de boteco em boteco. E nos intervalos, freqüentava as barbearias, onde, em geral, havia um radio a cantarolar. Ele, porém, para contar suas potocas, delicadamente desligava o aparelho, pedindo desculpas, como se a uma pessoa: --- “Com licença, rádio...” E na saída, ligava-o novamente, recomendando, solicito: ---“Fala, rádio...” Durante sua estada, ouvia e comentava as novidades. Duvidoso de alguma, dia, surpreso: --- “Ora, mas por quê, meu Deus?...” Sua resistência era impressionante. Bebia seguidamente, pouco comia e serestava ate altas horas, no adro da Igreja, onde adormecia. Cedinho, entretanto, lá estava em frente ao Bar Semião, para continuar a temporada. E esta durava vários dias, ate que Maria Paula, impaciente e raivosa, vinha buscá-lo. Quando lhe informavam: ---“Ogênio, sua mulher chegou”, ele retrucava, caprichando no português: “Mulher, não , esposa. Sou casado com ela, no Padre e na Lei...” E que jocoso o reencontro do casal: ---Maria, ordenava: ---“Ogênio, já prá casa”. E ele, zombeteiro: ---“Pra quê, Muié, a rua é óter (ótima)...” Esgotada a paciência, só mesmo aos trancos e tapas, ela conseguia eu tomasse o rumo de casa. E uma vez chegado, parecia nada haver acontecido. Após um sono reparador, ei-lo novamente no eito. E só voltava a beber, “na rua”, se a vontade o dominasse, dias ou meses depois. Apesar de tanta extravagância, chegou além dos setenta, lúcido e brincalhão, como sempre. Até que um derrame cerebral o levou, talvez quando estivesse planejando nova escapada rumo ao Prata, que tanto amava, se bem que orgulhosamente se declarasse itabirano. Lamento não haver assistido seu funeral, ocorrido depois de minha mudança. Honrarias justas, cívicas e religiosas lhe foram prestadas. Se algum dia me perguntarem quantos gênios conheci, pessoalmente, responderei, convicto: um, apenas, o Ogênio, do Gandra. Pois genial foi sua concepção de felicidade: fugir da mulher, desligar-se de tudo, acampar na rua e bebericar com os amigos e à custa deles. E somente um gênio poderia resumir, em duas palavras, a inimitável definição de cachaça: BENDITA MALDIÇÃO.

Dr,  Geraldo Guerra