Monday, December 29, 2014

AOS VINTE ANOS



Eclesiástico

Deus honra o pai nos filhos e confirma, sobre eles, a autoridade da mãe. Quem honra o seu pai alcança o perdão dos pecados; evita cometê-los e será ouvido na oração quotidiana. Quem respeita sua mãe é como alguém que ajunta tesouros. Quem honra o seu pai, terá alegria com seus próprios filhos; e, no dia em que orar, será atendido. Quem respeita o seu pai terá vida longa, e quem obedece ao pai é o consolo da mãe. Meu filho, ampara o teu pai na velhice e não lhe causes desgosto enquanto ele vive. Mesmo que ele esteja perdendo a lucidez, procura ser compreensivo para com ele; não o humilhes, em nenhum dos dias de sua vida: a caridade feita a teu pai não será esquecida, mas servirá para reparar os teus pecados e, na  justiça, será para tua edificação.

                                                                     ***

A primeira vez que fiz esta leitura, tinha onze anos, estudava no Seminário Nossa Senhora de Fátima/Ginásio Sant'Ana em Itaúna-MG, chorei. Naquela época ficávamos o ano inteiro no internato e vínhamos em casa em meados de dezembro para retornar antes do final de janeiro.

A segunda vez que a ouvi foi durante uma missa na Igreja São José/BH, num domingo de junho de 1970 pela manhã. Estudava Letras na Faculdade Belo Horizonte (parece-me que hoje Uni-BH) e trabalhava numa firma de Recife - Auditores Pernambuco Ltda. Nesta noite, na casa de meu cunhado Rafael e minha irmã Imaculada , com os quais eu morava, o texto " Eclesiástico " teimava em ocupar minha mente, financiando a insônia e interrogações várias.

Adormeci com uma  inesperada decisão, até para mim. Solteiro, com apenas vinte  anos, não tive medo. No dia seguinte, pedi demissão, tranquei a matrícula na Faculdade e voltei para o Prata, em mudo silêncio silencioso. Faltavam cerca de oito dias para a comemoração de Bodas de Prata dos meus pais. Não lhes falei nada. Pedi a Imaculada que não comentasse. Passada a data,  falei com meu pai : "Voltei para o Prata ", ele apenas ouviu e disse : " Tudo bem". Deu-me a plena impressão que, em seu íntimo,  já imaginava , e Ele me conhecia muito bem. Já minha mãe, ficou aborrecida,  e inquiriu-me: "O que você vai fazer aqui no Prata?... Respondi : "Mãe, ainda não sei." Ela ficou ressentida comigo e com razão.

Alguns dias depois, a Diretora Escolar Professora Maria Auxiliadora Perdigão, chamou-me ao Colégio e convidou-me para dar aulas na Escola Estadual Marques Afonso, de Inglês, para substituir sabem quem? "Frei Thiago Santiago (Um teólogo da Universidade Gregoriana de Roma). Tremi nas bases, mas ela me disse : "você dará conta, faça a sua parte e conte com o meu apoio ". Não sei até hoje o que a fez oferecer-me incondicional   confiança .  Suei para dar conta,  e pouco depois dava aulas também de Organização Social e Política do Brasil ( matéria hoje abolida da grade curricular), Português e suas Literaturas, chegando a lecionar  quase trinta e seis aulas semanais,  pela  manhã e à noite,  por um período ( a carga horária era ampla, diferente de hoje ).

Pois bem, fiquei ligado profissionalmente e funcionalmente à " Escola Estadual Marques Afonso" de 1970 a 2003, quando aposentei-me proporcionalmente, havendo por um período, adjunto ao Município, respondido pela Secretaria de Educação, por solicitação do então Prefeito João Braz, além de anteriormente haver atuado como Inspetor Escolar na Superintendência Regional de Ensino de Nova Era.

Retroagindo aos fatos, a minha mãe já estava quase aceitando a minha decisão de ter voltado para o Prata. No final do ano em, novembro de 1970, começamos o Escritório Age ( Ailton - Gelinho - Eduardo), escritório que completou em 2014 - quarenta e quatro anos, era um novo desafio. Voltando à correta rigidez da minha mãe Da. Analita, aos poucos, como era o filho mais velho, morando no Prata, ia ajudando-a em pequenas coisas da vida cotidiana e, sem modéstia, acho que ela passou até a gostar da minha presença, pois eram momentos difíceis, filhos para estudar e muitas contas a pagar .

Alguns anos depois, Ela comentava em família, a até então inexplicável atitude minha. Resolvi falar: "Mãe!, vou explicar claramente porque eu voltei! Por duas vezes prestei  minuciosa atenção à leitura do Eclesiástico (3.3-7, 14-17a), e a frase 'Meu filho ampara o teu pai na velhice...'. Senti-me profundamente comprometido com minha família . Embora a senhora tivesse quarenta e seis anos; e pai, quarenta e sete,  e o mano Vanderlei  já morava em Timóteo e a Imaculada, já casada,  em Belo Horizonte; mas  em casa, residiam os filhos mais novos: João Bosco, Reinaldo, Gorett, Edmar e Leonor (ainda com cinco anos de idade). Não titubeei, fiz minha escolha. ' Deus proverá '. Queria ficar perto de vocês, de meus irmãos mais novos, acompanhá-los de alguma forma.  Este foi o meu grande motivo ".

Hoje, aqui estou 'pratiano' presente há cinquenta anos ininterruptos. Consegui concluir o curso de Letras, e também  Pedagogia em João Monlevade e aí já era mais fácil - estrada de terra, barro ou poeira ziguezagueando pelo antigo e famoso ' Morro do Peão')  e Direito ( em Divinópolis- MG, viajando mais de mil quilometros por semana - enfrentando a BR 381 em longas e sonolentas madrugadas, o que, em cinco anos, representou mais de cento e cinquenta viagens Prata a Salvador-BA-) morando no Prata, com dois filhos crianças, mas  com a ajuda do meu sócio e amigo Eduardo Castro e dos que trabalhavam em nosso escritório, de meus familiares (principalmente minha   mãe, incentivadora incondicional) e amigos  ( como Geraldo Elias, Celso Fonseca, Teotino Damasceno e Cristina Vasconcellos), e ainda  sobrou tempo para uma Pós - Graduação em Sete Lagoas - MG, junto com os colegas acima citados.

Concluo afirmando que nunca me arrependi da minha, à época, intempestiva atitude. Participei da vida da comunidade como Vereador, Vice-Prefeito, pude contribuir no futebol  (Nacional E. Clube -  paixão do meu pai, um dos fundadores e primeiro Presidente - 11 de novembro de 1957 ), Lions Clube, Prata Tênis Clube e Clube Recreativo Pratiano, Associação Comercial, Conferência de São Camilo de Lellis, Obras Sociais (no início), Advocacia Previdenciária gratuita e em outras atividades sociais.

Então, paciente leitor, já me delonguei por demais, e se você ao ler este texto perceber uma marca de pingo d'água ao final; nada demais, é apenas uma gota de minha lágrima de alegria que caiu sobre a folha, convencido de que havia tomado a atitude certa,  que me fez e faz FELIZ, mesmo porque não foi o cumprimento de um dever, e sim a realização de uma opção, que era ser filho, irmão, depois pai e tio; se não pude ser melhor é porque tenho minhas limitações e que não são poucas.

* Para Roberta e Renato (Filhos), um pouco da minha história, que também é de vocês, e que como o efeito " bumerangue " vejo-me em plena 'síndrome do
ninho vazio' porque vocês cresceram, fizeram suas escolhas e partiram para construir o mundo que vocês sonharam.