Se o homem não sonhar não vive,
porque sonhar é desintoxicar o espírito. No mesmo grau de relação em que se
encontra o sono para com o corpo está o sonho em relação à alma.
Não penses, todavia, jovem, que
te falo do sonhar dormindo, mas do sonho imaginação da alma, do sonho expansão
do espírito, do sonho estruturador de idéias.
A fantasia não deixa de ser um
repouso para o espírito fatigado por um trabalho duro e imutável. Para o homem
a imutabilidade é dor e o contraste é alegria.
Não deixa de ser um alívio para
um coração torturado construir com afeto a imagem de seu amor.
Para uma vontade que tem ânsias
de grandeza, mas que se sente cativa pelo inelutável das circunstâncias, por
certo que o sonho é derivativo poderoso deste acúmulo de energias.
Mas o sonho não é só descanso, o
sonho é também ação. Não deixa de ser uma libertação do espírito pela criação
de novos mundos, quando sacode o jugo das idéias estáticas, rotineiras,
enfrentando, de peito aberto, os nevoeiros indecisos, as calmas estagnadas, o
frio que não tem vida...
Se a liberdade do coração é amar,
a liberdade de inteligência é sonhar.
Entretanto, jovem, se o sonho é o
repouso para o espírito, é libertar a alma, o sonho é, antes de tudo, o criador
de novos mundos.
Quando o homem sonha se desliga
do real, do visto, do concreto, tentando descobrir semelhanças ocultas no
interior de tudo, pela assimilação de novas e possíveis harmonias. Entretanto,
jovem, é preciso saber sonhar dormir demais, a toda hora, e de todos modos, é
perigoso demais para a saúde. Assim, também, viver sonhando nunca foi ideal
para uma alma, que aspira ser uma afirmação na vida. Que sonhes, mas que teu
sonho seja um prenúncio de grandes realizações. Não é sendo caçador de quimeras
e vivendo enamorando as nuvens que se consegue realizar as grandes aspirações
da humanidade.
O que é mais ridículo é que o
sonhador inveterado cria mais fantásticas fantasias procurando vivê-las, a todo
custo, como se fossem realidades palpáveis. Coloca-se em circunstâncias
críticas e depois está a quebrar a cabeça para desvencilhar-se delas. Lembra-te
da fábula da leitora que sonhando, com um cântaro de leite na cabeça, vendeu o
leite, comprou ovos, criou galinhas, comprou um porco, adquiriu uma vaca,
tornou-se fazendeira, e... no mais belo do sonho tropeçou e quebrando o cântaro
entornou o leite. A fantasia efetiva do coração, quer esteja apaixonado quer
desiludido, que não encontra a plena realização do seu objetivo, procura uma
compensação na satisfação, mesmo momentânea, de seus desejos, sonhando que não
somente ama, mas também é sumamente amado.
Pois bem, jovem, aprende desde já
a discernir com toda prudência os sonhos loucos, passivos dos desesperados, dos
sonhos vida, vigor, que realiza.