Todas as vezes que eu tenho a oportunidade de
ler ou estudar algo, sempre dou preferência à mitologia. Percebo que os povos
antigos foram capazes de recriar a realidade através de imagens simples e
sábias. Uma destas imagens que mais me emocionou foi o mito de Deus Janus, um
ancião prudente. Sempre acompanhado de um cajado provido de quatro rostos, um
em cada direção. Conta o mito que quando esse deus caminhava em direção a um
ponto, sempre avaliava o que estava através de si e que os rostos laterais o
mantinha sempre no caminho do meio, mostrando-lhes os perigos e as armadilhas
de ambas as margens. O cajado ajudava na segurança da caminhada, dando ímpeto a
cada passo do ancião já cansado. Mas o que mais me impressiona na alegoria de
Janus é o fato dele ter nas mãos sábias, um molho de chaves, sempre prontas
para abrir qualquer porta que interceptasse seu caminho.
Não pretendo
aprofundar nas metáforas deste mito, mas gostaria de aproveitá-las para estudar
o papel da porta em nossas vidas.
A porta foi um
dia criada por uma pessoa que entendia muito de filosofia, esta é a minha
concepção. Pode ser fechada ou aberta, larga ou estreita, maravilhosa ou
extremamente simples, mas jamais deixará de cumprir sua função que é abrir uma
nova perspectiva para alguém, ou de encerrá-la para sempre. Imagine o Arco do
Triunfo, as entradas solenes dos castelos, as pontes levadiças, o portal de uma
casa colonial, a porta de um barraco da favela, a abertura sem pretensão de uma
tapera numa tribo indígena, a passagem gélida de um iglu ou a úmida e escura
entrada de uma caverna. Em qualquer situação, a porta está sempre presente,
sofisticada ou invisível, dando-nos a chance, talvez única, de descortinar uma
realidade completamente nova. Assim, ela se torna o símbolo da passagem,
desafiadora ou despretensiosa, de um mundo para outro, de uma realidade para
outra realidade, um salto no escuro ou apenas um lento caminhar até a outra
porta.
Quando a vida nos
oferece uma oportunidade de crescimento, dizemos que nos foi aberta uma porta
para o sucesso. Quando ao contrário, nos sentimos sós e sem alento, dizemos que
as portas do mundo foram fechadas para nossos passos.
Quando acordamos
de manhã, logo abrimos a porta do quarto, depois da sala e olhamos para o mundo
lá fora, avaliamos o clima e, inconscientemente, acordamos para mais um período
de nossas vidas. Quando a noite chega, trancamos as portas porque, assim, elas
nos oferecem abrigo.
Porta escancarada
é um desafio fácil, basta atravessar... O mais difícil dos dilemas é quando
diante de nós está uma porta trancada e, para sabermos o que nos espera do
outro lado, precisamos encontrar a chave certa para desconectarmos da
fechadura. O desafio de uma vida feliz é encontrar o segredo que abre a
passagem para uma vida mais venturosa. É preciso ter paciência, mérito de
poucos, para alcançarmos outros níveis de sabedoria. Testar cada chave, girá-la
para todas as direções, sermos carinhosos e calmos, tudo representa uma etapa
de nossa lenta caminhada rumo ao futuro.
E então voltamos
a Janus, o deus da chave e da visão panorâmica. Ele vai para o presente, mas
busca sua realidade no passado e está sempre atento às experiências vividas
para repetí-las ou não no futuro. Ele olha para os lados, constantemente e,
ensina que a prudência é a mãe dos sábios.
Não foi à toa que
Júlio César, o Imperador de Roma, decidiu, na sua ousada troca de calendário,
dar o nome de Janus (no português, Janeiro) ao primeiro mês do ano. Este mês
representa a porta de um novo tempo que ainda não conhecemos. Ele coloca na mão
de cada ser humano um molho de chaves e nos convida a aceitar os desafios, a
descobrir a senhas e os segredos de cada cofre. O destino do homem está nas
mãos do próprio homem, basta que ele tenha a habilidade de decifrá-lo e de
aceitar que o presente pode ser melhor ou pior do que ontem, mas que o futuro
depende do presente colocado em nossas mãos.
Assim, abra a
porta do seu coração com a chave da benevolência e do amor, abra a porta do
sucesso com a chave do estudo e do trabalho, abra a porta da fraternidade com a
chave da solidariedade e tenha um ano novo bem mais feliz e colorido do que o
que se findou, mesmo que ele tenha sido ótimo. Siga Janus, com calma e
prudência, e não tema nenhuma porta que surgir nesta senda. Você é capaz de
abrir todas elas e de usufruir paisagens ainda não vistas.
Texto adaptado: Elisabeth Maria de Souza
Camilo