Friday, October 17, 2014

O CARÁTER



     O caráter é uma marca. Uma marca própria, individualizante, que faz com que uma coisa seja ela mesma e não outra. Foi pensando nisso que Lavastine nos mandou batizar todos os micróbios, com o nome próprio como se fosse gente. Neste sentido, o caráter nos situa como indivíduos, no mundo do ser, e nada mais. 
   Em sua origem, o caráter era portador de uma idéia de divisão. As estacas, que dividíamos campos dos helenos, eram caracterizadas, isto é, chanfradas, cortadas em ponta de gaita.
     Caráter, por conseguinte, não somente marca, é marca que divide. Daí a necessidade de não somente ter o homem uma marca, mas ter sua marca, o seu caráter. Já não é uma marca física, uma mera diferenciação, é preciso a marca moral, poderosa, viva. Viva, sim, que não se deixe assimilar. Um homem de caráter é um homem inassimilável, porque a marca que ele traz consigo não é uma marca física, facilmente transformada em golpe do cinzel, um alimento, que, sob a ação metabólica do organismo, se transforma em plasma, que, por sua vez, se torna músculo, cérebro, se torna nervo. As formas físicas se transformam sem transformar o sujeito que as possui. As formas morais, como são formas assimiladas, mas não mais assimiláveis, são formas viças, cuja transformação tem sentido de martírio.
    É por isso que o homem de caráter não se deixa assimilar. Ele sabe que deixar-se assimilar é morrer, é perder-se num outro que não é ele. Ele, com uma vontade enérgica a serviço de convicções inabaláveis, reage contra as circunstâncias que o querem devorar. As idéias e os indivíduos são encarados de frente, como quem quer fazer pagar caro a todo aquele que tentar subverter a sua harmonia interior.
   A equanimidade é uma das feições mais típicas do homem de caráter, porque, alicerçando suas convicções nas estratificações de rochas milenares, sabe manter sua personalidade uma, indivisível, mesmo ante os vendavais de todas as tempestades.
     Ele sabe amar apaixonadamente a liberdade, mesmo trazendo pesadas e rígidas cadeias, não deixa amoldar as circunstâncias fáceis, para, negando toda grandeza de ser intimamente livre, poder se livrar de férulas e algozes.
      Ama os amigos, mas, antes de tudo, ama o seu dever. Pode ser “amigo de Platão, mas o será muito mais da verdade”. Não terá, a maneira de Jano Bifronte, duas faces desiguais, porque a simulação não fez pousada no nobre coração.
      É preciso ter caráter. Se não temos direito de viver sem lutas, nesta vida, que a hora da decisão nos encontre, com armas em riste, prontos ao primeiro sinal que soe dos larins.