O caráter é uma
marca. Uma marca própria, individualizante, que faz com que uma coisa seja ela
mesma e não outra. Foi pensando nisso que Lavastine nos mandou batizar todos os
micróbios, com o nome próprio como se fosse gente. Neste sentido, o caráter nos
situa como indivíduos, no mundo do ser, e nada mais.
Em sua
origem, o caráter era portador de uma idéia de divisão. As estacas, que
dividíamos campos dos helenos, eram caracterizadas, isto é, chanfradas,
cortadas em ponta de gaita.
Caráter,
por conseguinte, não somente marca, é marca que divide. Daí a necessidade de
não somente ter o homem uma marca, mas ter sua marca, o seu caráter. Já não é
uma marca física, uma mera diferenciação, é preciso a marca moral, poderosa,
viva. Viva, sim, que não se deixe assimilar. Um homem de caráter é um homem
inassimilável, porque a marca que ele traz consigo não é uma marca física,
facilmente transformada em golpe do cinzel, um alimento, que, sob a ação
metabólica do organismo, se transforma em plasma, que, por sua vez, se torna
músculo, cérebro, se torna nervo. As formas físicas se transformam sem
transformar o sujeito que as possui. As formas morais, como são formas
assimiladas, mas não mais assimiláveis, são formas viças, cuja transformação
tem sentido de martírio.
É por isso
que o homem de caráter não se deixa assimilar. Ele sabe que deixar-se assimilar
é morrer, é perder-se num outro que não é ele. Ele, com uma vontade enérgica a
serviço de convicções inabaláveis, reage contra as circunstâncias que o querem
devorar. As idéias e os indivíduos são encarados de frente, como quem quer
fazer pagar caro a todo aquele que tentar subverter a sua harmonia interior.
A
equanimidade é uma das feições mais típicas do homem de caráter, porque,
alicerçando suas convicções nas estratificações de rochas milenares, sabe
manter sua personalidade uma, indivisível, mesmo ante os vendavais de todas as
tempestades.
Ele sabe
amar apaixonadamente a liberdade, mesmo trazendo pesadas e rígidas cadeias, não
deixa amoldar as circunstâncias fáceis, para, negando toda grandeza de ser
intimamente livre, poder se livrar de férulas e algozes.
Ama os
amigos, mas, antes de tudo, ama o seu dever. Pode ser “amigo de Platão, mas o
será muito mais da verdade”. Não terá, a maneira de Jano Bifronte, duas faces
desiguais, porque a simulação não fez pousada no nobre coração.
É preciso ter caráter.
Se não temos direito de viver sem lutas, nesta vida, que a hora da decisão nos
encontre, com armas em riste, prontos ao primeiro sinal que soe dos larins.