Do alto dos seus oitenta anos, me disse: “na verdade,
fui muito amado”. E dizia isto com tal plenitude como quem dissesse: sempre
trouxeram flores, sempre comi ostras à beira mar.
Não
havia arrogância em sua frase, mas algo entre a humanidade e a petulância
sagrada. Parecia um pintor, que olhando o quadro terminado assina o seu nome
embaixo. Havia um certo fastio em suas palavras e gestos. Se retirava de um
banquete satisfeito. Parecia pronto para morrer, já que sempre estivera pronto
para amar.
Uns
dizem: casei várias vezes. Outros assinalam: fiz vários filhos. Outro dia li em
uma revista um conhecido ator dizendo: tive todas as mulheres que quis. Outros,
ainda, dizem: não posso viver sem fulana (ou fulano). Na Bíblia está que Abraão
gerou Isaac, Issac gerou Jacó e Jacó gerou as doze tribos de Israel. Mas nenhum
deles disse “na verdade fui muito amado”.
Mas
quando do alto de seus oitenta anos aquele homem desfechou sobre mim aquela
frase me senti não apenas como filho que quer ser engenheiro como o pai.
Senti-me um garoto de quatro anos, de calças curtas, se dizendo: quando eu
crescer quero ser um homem de oitenta anos, que diga: “amei muito, na verdade
fui muito amado”.
Ouvindo-o,
por um instante, suspeitei que a psicanálise havia fracassado; que tudo aquilo
que Freud sempre disse, de que o desejo nunca é preenchido, que se o é, o é por
frações de segundos, e que a vida é insatisfação e procura, tudo isto era coisa
passada.
Sim
porque sobre o amor há muitas frases inquietantes por aí. Bilac nos dizia
salomônico: “eu tenho amado tanto e não conheço o amor”. Ataulfo Alves dizia:
“eu era feliz e não sabia”. Frase que se pode atualizar: eu era amado e não
sabia. Porque nem todos sabem reconhecer quando são amados. Flores despencam
sobre arco-íris sobre sua cama, um banquete real está sendo servido e,
sonolento, olha noutra direção.
Sei que vocês vão
me repreender, dizendo: deveria ter-nos apresentado o personagem, também o
queríamos conhecer, repartir tal acontecimento. E é justa a reprimenda. Porque
quando alguém está amando, já nos contamina de jasmins. Temos vontade de dizer,
vendo-o passar: ame por mim, já que não pode se deter para me amar a mim.
Reconhece-se
a cinqüenta metros um desamado, o carente. Mas reconhece-se a cem metros o
bem-amado. Lá vem ele: sua luz nos chega antes de suas roupas e pele. Sinos
batem nas dobras de seu ser. Pássaros pousam em meus ombros e frases. Flores
estão colorindo o chão em que pisou.
O
que ama é disseminador.
Tocar
neles é colher virtudes.
O
bem amado dá a impressão de inesgotável. E é o contrário de Átila: por onde
passa renascem cidades.
O bem amado é uma usina
de luz. Tão necessário à comunidade, que deveria ser declarado um bem de
utilidade pública.