Thursday, October 23, 2014

O SENTIMENTALISMO



     Enquanto o pensamento e os atos volitivos têm como principal objetivo a satisfação do sujeito que pensa e quer, a sensibilidade situa o indivíduo fora da órbita do egoísmo, na vibração permanente com os seus semelhantes.
     No reto uso dos sentidos, a afetividade é poderosíssimo elemento da aproximação humana.
     Um herói pode ser um carrasco como foi Ivan, o Terrível, tzar das Rússias. Um sábio, tão pouco humano como os médicos de Belsen e Dachau.
     “Pela sensibilidade sentimos o que os outros sentem, os disse Baudenom: a vista de uma criança enferma, de um ancião a tiritar de frio, de um homem que chora e que soluça, nos comove e parece-nos fazer participar, de algum modo, de seus sofrimentos”.
     Um coração insensível é um coração de pedra, e eu não quisera que fosse de pedra teu nobre coração!
     Todavia, se te digo que uma sensibilidade intensa é um elemento altamente realizador, não posso me furtar ao dever de te apontar os escolhos que emergem quase à flor das águas.
     Época das descrenças, como idade dos sentidos, a juventude não pode prescindir da disciplina. Preconizar sensibilidade ao coração do moço é quase que pedir às nuvens que destilem sobre alagadiços.
     O que me interessa em ti é o equilíbrio harmonioso de todas as tuas faculdades. Se por vezes te cantei a grandeza do sonho da inteligência, nem sempre poderei dizer o mesmo do sonhar do coração. A sonhar acordado, jovem, perdendo o senso das realidades objetivas, pela entrada triunfal no reino da quimera, submerge todo o ser em ilusões obsedantes, em idílios apaixonados, em ódios de carrasco, como se as nuvens fossem palácios encantados, onde dorme a sílfide de seus amores, sob a guarda vigilante de um terrível Adamastor. Cuidado, não te deixe levar pelo sentimentalismo de uma alma feita de pétalas de rosa. O sentimentalismo é um verdadeiro entorpecente. Cega a inteligência e amolece a vontade, olha que “existe uma cegueira voluntária, uma espécie de voluntária loucura em todo instinto violento”, nos disse Turgueniev.
     Onde os sensos das proporções nas almas sentimentais? Um sorriso, um olhar, uma atitude menos definida, mesmo nas pessoas mais amigas, podem trazer os ressaibos bem amargos das grandes desilusões. Soluçará os corações em suspiros agônicos, como se tivesse desmoronado o castelo de todos os seus sonhos.
     O culto do sentimentalismo como o culto sibilino de Delfos irradia vapores entorpecentes capazes de obscurecer a visão da mais clara realidade, pela criação de duendes loucos que povoam a existência dos caçadores de quimeras. Que coisa mais ridícula do que essa mania de se prolongar dentro d’alma um sofrimento sem conseqüência! Prudência, não te vedo o convívio dos grandes sonhos, já te afirmei que, se a liberdade do coração é amar, a liberdade da inteligência é sonhar, mas a inteligência sonha para as grandes realizações, enquanto sonho do coração é muitas vezes aves de arribação que jamais hão de voltar aos ninhos onde nasceram.