Enquanto o
pensamento e os atos volitivos têm como principal objetivo a satisfação do
sujeito que pensa e quer, a sensibilidade situa o indivíduo fora da órbita do
egoísmo, na vibração permanente com os seus semelhantes.
No reto uso dos
sentidos, a afetividade é poderosíssimo elemento da aproximação humana.
Um herói pode ser um
carrasco como foi Ivan, o Terrível, tzar das Rússias. Um sábio, tão pouco
humano como os médicos de Belsen e Dachau.
“Pela sensibilidade
sentimos o que os outros sentem, os disse Baudenom: a vista de uma criança enferma,
de um ancião a tiritar de frio, de um homem que chora e que soluça, nos comove
e parece-nos fazer participar, de algum modo, de seus sofrimentos”.
Um coração insensível é
um coração de pedra, e eu não quisera que fosse de pedra teu nobre coração!
Todavia, se te digo que
uma sensibilidade intensa é um elemento altamente realizador, não posso me
furtar ao dever de te apontar os escolhos que emergem quase à flor das águas.
Época das descrenças,
como idade dos sentidos, a juventude não pode prescindir da disciplina.
Preconizar sensibilidade ao coração do moço é quase que pedir às nuvens que
destilem sobre alagadiços.
O que me interessa em ti
é o equilíbrio harmonioso de todas as tuas faculdades. Se por vezes te cantei a
grandeza do sonho da inteligência, nem sempre poderei dizer o mesmo do sonhar
do coração. A sonhar acordado, jovem, perdendo o senso das realidades
objetivas, pela entrada triunfal no reino da quimera, submerge todo o ser em
ilusões obsedantes, em idílios apaixonados, em ódios de carrasco, como se as
nuvens fossem palácios encantados, onde dorme a sílfide de seus amores, sob a
guarda vigilante de um terrível Adamastor. Cuidado, não te deixe levar pelo
sentimentalismo de uma alma feita de pétalas de rosa. O sentimentalismo é um
verdadeiro entorpecente. Cega a inteligência e amolece a vontade, olha que
“existe uma cegueira voluntária, uma espécie de voluntária loucura em todo
instinto violento”, nos disse Turgueniev.
Onde os sensos das
proporções nas almas sentimentais? Um sorriso, um olhar, uma atitude menos
definida, mesmo nas pessoas mais amigas, podem trazer os ressaibos bem amargos
das grandes desilusões. Soluçará os corações em suspiros agônicos, como se
tivesse desmoronado o castelo de todos os seus sonhos.
O culto do sentimentalismo
como o culto sibilino de Delfos irradia vapores entorpecentes capazes de
obscurecer a visão da mais clara realidade, pela criação de duendes loucos que
povoam a existência dos caçadores de quimeras. Que coisa mais ridícula do que
essa mania de se prolongar dentro d’alma um sofrimento sem conseqüência!
Prudência, não te vedo o convívio dos grandes sonhos, já te afirmei que, se a
liberdade do coração é amar, a liberdade da inteligência é sonhar, mas a
inteligência sonha para as grandes realizações, enquanto sonho do coração é
muitas vezes aves de arribação que jamais hão de voltar aos ninhos onde
nasceram.